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Notas muito generalistas de um tempo muito estranho

Diz-se com frequência que o mundo está cada vez mais estranho. Reconheço que os tempos que vivemos agora parecem indecifráveis. Do meu ponto de vista, porque somos uma sociedade perfeitamente disfuncional que ignora as condicionantes à percepção da realidade e privilegia a análise superficial do estado das coisas.

Nunca avançámos tanto tecnologicamente e, simultaneamente, nos sentimos tão impotentes.

Este é o tempo do tempo sem tempo para se viver. Somos empurrados para uma rede online que cria, distribui, amplifica e influencia as opções da sociedade mais rapidamente do nunca. Tudo parece estar em constante mudança, sem filtros.

Neste ilusório, temos crises constantes: sociais, económicas, financeiras, culturais, religiosas, políticas, locais, nacionais e internacionais. A incapacidade para encontrar soluções é evidente. Reflecte-se ao segundo na Nova Ágora criada pela rede e pelos media.

Quem clama por bom senso, credibilidade e liderança, é abafado pelo ruído dos posts e partilhas... As consequências são óbvias: os estudos que medem o grau de confiança nas instituições revelam um descrédito e desconfiança generalizados.

A credibilidade de sectores influentes e decisores e a quem se atribuía capacidade e autoridade para “mudar” a sociedade esfuma-se à velocidade da rede social internauta, sendo particularmente visível nos mundos da comunicação social, das marcas, da política, do futebol, das empresas e da economia. Face a este novo real, a incerteza também chegou aos fazedores de opinião e criadores de conceitos de gestão da sociedade. Falta orientação.

O desenvolvimento do campo tecnológico confirma a chegada de novos paradigmas, espelhada, por exemplo, no impacto do smartphone no dia a dia. Todos querem acompanhar a mudança impulsionada pelas novas tecnologias e Portugal não é alheio a este shift civilizacional.

O que é estranho - e preocupante - neste ambiente potencialmente mais aberto e livre é a facilidade de corrosão de um dos pilares fundamentais do equilíbrio da estrutura social: o processo comunicativo. Tudo isto porque estamos num mundo e num espaço carregado de informação, onde os dados digitais crescem a uma velocidade vertiginosa e passam sem a devida análise. Repito, vivemos a ilusão do tempo sem tempo. Deslizar na rede sem nexo, sem propósito, numa viagem de puro e duro voyarismo, caracteriza a massa anónima dos nossos dias. Infelizmente, esta mesma ilusão contaminou, para além do razoável, aqueles que deveriam contribuir para a melhor triagem dos factos e dos dados.