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Lendas Vivas

“Não, senhor. Aqui é o Oeste, senhor. Quando a lenda se torna um facto, publica-se a lenda”. Estas frases são de uma cena do filme de 1962, ‘O Homem que Matou Liberty Valance’, realizado por John Ford e encenado por James Stewart e o mítico John Wayne. O enredo relata o regresso à pequena cidade de Shinbone de um reputado advogado e sua esposa para assistir ao funeral de um amigo. Nessa ocasião, o advogado tem a oportunidade de conceder uma entrevista para um jornal local, recheada de flashbacks para a época do episódio que dá o título ao filme, recordando os acontecimentos que lhe atribuíram o epíteto de herói e o catapultaram para uma carreira política gloriosa a nível nacional. Na entrevista, o personagem principal, confessa que ficou erradamente com os créditos da morte do vilão que aterrorizava a cidade, repondo a verdade e atribuindo o heroísmo ao falecido amigo. No final da entrevista, ao verificar que o entrevistador rasgara as suas notas, questionou-o sobre se iria publicar a história, tendo este último respondido com a lapidar frase que inicia este texto.

Este filme, antigo e a preto e branco, encontra paralelo na Madeira da actualidade, pela quantidade de lendas fulvas que nos tentam decalcar no imaginário colectivo. A começar pelo ror de gente que por aí anda a rasgar as vestes, clamando paternidades de projetos, vendendo teorias conspirativas rocambolescas e desenterrando bandeiras do ressentimento e do ódio. Torturar números até capitularem à verdade oficial, encenar proximidade em ambientes herméticos, comprar lealdades com promessas a prazo, alavancar a cartilha partidária com milhões em dinheiros públicos, tudo vale, desde que concorra para a litania da criação de uma lenda publicável à dimensão de um facto. No entanto, muito distante da nobreza das razões passionais que guiaram a estrela do filme, os motivos que subjazem estes comportamentos aditivos são a material sede pela manutenção poder.

Colorindo com exemplos esta operação cinematográfica regional, urdida com um maquiavelismo básico, para lavar a face a um partido num estertor indisfarçável, aponto apenas três exemplos. Lenda 1: o novo hospital do Funchal é uma promessa cumprida e será a solução para todas as patologias organizacionais existentes no setor da saúde. Lenda 2: a obra do governo regional nas ribeiras do Funchal reflete as suas preocupações com o património. Lenda 3: o PSD congrega os melhores quadros e é o único partido com aptidão para governar. Não é necessário procurar muito para constatar, em várias frentes, que a realidade desmente estas e outras lendas. Apesar do exército de guionistas laranja que, especialistas em questiúnculas, trovadores do assessório e polidores de carácter, esmurram teclas na criação de verdades alternativas.

Com uma abissal diferença de meios, o Funchal continua a fazer muito com pouco. Facto 1: o Funchal tem as mais reduzidas taxas de IMI e de IRS da sua história. Facto 2: o Funchal apresenta a dívida mais baixa dos últimos 17 anos. Facto 3: o Funchal tem um programa inédito de apoios à educação. Facto 4: o Funchal foi precursor na participação cívica, com instrumentos de proximidade como o Orçamento Participativo ou a plataforma ‘Funchal Alerta’. Facto 5: o Funchal foi a entidade regional que adjudicou mais construção de habitação social (66 fogos) nos últimos anos. Facto 6: o Funchal, é uma referência da autonomia praticante ao se afirmar como o município da Madeira com maior independência financeira. Facto 7: o principal partido da oposição não poupa esforços para boicotar o Funchal e estabeleceu um record de seis anos consecutivos a votar contra os orçamentos municipais.

Estas conquistas farão esmorecer a nossa determinação em continuar a construir uma cidade melhor? Não, senhor. Aqui é o Funchal. As verdadeiras lendas são os funchalenses que têm mostrado, com laivos de heroísmo, ter a fibra para ultrapassar desastres naturais e contornar adversidades políticas. Cumpra-se a lenda.