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Isto ainda leva mais mamíferos?

Um dia a bordo de um avião a caminho de Londres, a viajar quase na cauda do dito, não paravam de entrar pessoas que, a meu ver, estavam só de passagem e iam sair na porta de trás. Realmente, quando se olha para a fila de um embarque, a sensação que se tem é de que não vai caber tudo dentro daquele charuto. De repente, a pessoa com quem eu viajava, porventura a única portuguesa além de mim nas proximidades, olhou em volta e perguntou: “isto ainda leva mais mamíferos?”

Lembrei-me disso no início desta semana, quando vi as fotos da fila para o Madeira Shopping, penso que para comprar roupa de inverno, porque ou muito me engano, ou quando isto fechou tudo ainda nem tínhamos chegado à primavera. Logo, pensei eu, para o supermercado não era, porque a julgar pela fila que todos os dias via no Forum Madeira para chegar ao sítio dos bens de primeira necessidade, quando voltava do meu passeio higiénico, toda a gente tinha papel higiénico suficiente.

É verdade que prevariquei, que atire a primeira pedra quem nunca o fez. O meu lado “diabinho” levou-me o corpo e a alma a passeios higiénicos que foram feitos, várias vezes, da Ajuda ao Casino e palmilhei a Levada dos Piornais até onde a cerca sanitária me deixou. Conheci a Madeira Velha, a das vacas a pastar em terrenos por cima de hotéis, ali a cem metros do mar. E adorei. Mas nunca me ocorreu que talvez as pessoas por quem eu passava, algumas delas de máscara, estivessem a contar os dias para se enfiar dentro de um lugar cheio de gente a passear, porque a julgar pelos lay off que se apregoam não há dinheiro para compras nas lojas e ainda vamos continuar a penar por uns bons tempos.

Isso levou-me depressa para outra conversa, que se tornou piada quando eu era jornalista e uma colega com quem as minhas folgas coincidiam de tempos a tempos, me perguntava: “Vamos amanhã ao shopping ver montras e fingir que somos ricas?” Até ríamos, mas a verdade é que de corredores se faz a vida de um centro comercial e isso não vai mudar. Sempre nos habituámos a ver os lojistas à porta, sem clientes do lado de dentro, para combater o tédio. Onde é que está aquela sabedoria do povo superior que é capaz de estar dias a fio sem novos casos de coronavírus e depois se enfia na boca do lobo? Bem sei que ainda não se pode ir molhar os pés e que os madeirenses têm encontrado buracos para mergulhar onde a Polícia Marítima nunca pôs as botas, mas até aí eu entendo.

Se o cenário do início da semana foi assim, imagino o Lobo Marinho quando nos derem ordem de soltura. A fila para o embarque da primeira viagem do dia (porque devem estar previstos desdobramentos), deve chegar à Zona Velha. Valha-nos o Padre Ramos e os seus sermões diários.

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