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Intoleráveis abusos de autoridade

Existem limites que não podem ser ultrapassados. A Autoridade Tributária não pode ir além da lei

Uns coletes da Autoridade Tributária e Aduaneira na rua; agentes da Guarda Nacional Republicana; um balcão de Finanças improvisado à beira da estrada; um homem a retirar cavalos de um camião que acabara de ser arrestado ou penhorado; toda a gente atónita e perplexa: a notícia de uma insólita operação stop com o objetivo de cobrar dívidas ao fisco.

Confesso que comecei por não dar grande importância à notícia, pois julguei que se tratava de mais um daqueles habituais programas de apanhados que ocupam os espaços de entretenimento de alguns canais de televisão e que, neste caso, no que diz respeito aos cavalos que subitamente tiveram de abandonar o camião, indignaria os defensores dos direitos dos animais. Na verdade, acho que ninguém acreditou à primeira. Depois percebi que, afinal, o inimaginável estava a acontecer: a Direção de Finanças do Porto andava mesmo na rua, de colete, guarda-sol e computador às costas, a mandar parar um punhado de veículos para cobrar dívidas fiscais, algumas delas manifestamente prescritas, num precipitado aparato externo de atropelos que expunha publicamente a sua inércia e fragilidades internas e uma inquietante e assustadora incapacidade para cumprir, de uma forma digna, séria, sensata, responsável e serena, os normais, adequados e proporcionais procedimentos legais e para respeitar princípios fundamentais do Estado de Direito.

O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais mandou rapidamente cancelar aquela encenação disparatada, mas a coisa não ficava por ali: o Ministério das Finanças veio, depois, confirmar uma auditoria interna para verificar a atuação de uma equipa de vigilância criada também no Porto e que terá recolhido ilegalmente fotografias de contribuintes.

Ora, a Autoridade Tributária, que, para além do mais, terá oferecido aos seus trabalhadores um suplemento de produtividade de 68 milhões de euros em 2018, não pode atuar para além da lei. É evidente que todos temos interesse no cumprimento das obrigações, e também no cumprimento generalizado das obrigações fiscais, especialmente das grandes obrigações fiscais, porém, existem limites que não podem ser ultrapassados.

Temos hoje um quadro legal de transparência e controlo que, assegurando garantias mínimas de defesa, é já muito favorável para a cobrança, especialmente no caso das dívidas fiscais, com mecanismos simplificados de tramitação processual eletrónica, pelo que, salvo casos excecionais de corrupção e grande criminalidade, não se justifica este excesso ridículo e até inconsequente da Direção de Finanças do Porto que envergonha o Estado de Direito.