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Hospital novo: mais camas, menos camas...

Estamos a transformar um problema sério (...) numa arma de arremesso de baixa políticA

Tenho sido contido no tratamento de assuntos relacionados com a Saúde. Não posso, no entanto, deixar de expressar a minha estupefacção perante a discussão que está a acontecer na Assembleia Regional.

Discute-se o número de camas que deverá ter o futuro hospital da Madeira. Discussão legítima e normal, se fossem outros os argumentos e os fundamentos.

Durante mais de um ano, o problema foi estudado com cuidado, utilizando metodologias reconhecidas nacional e internacionalmente.

Participei em diversas fases desses estudos. Foram tidos em conta factores como o envelhecimento da população; a previsível diminuição do número de nascimentos, com a correspondente diminuição do número de residentes, nos próximos anos; o sistema de alocação de camas (camas partilhadas); a frequência de rotação na utilização das camas (em parte devido à crescente utilização da cirurgia de ambulatório); os rácios, nacionais e internacionais, cama/habitante; a população flutuante (turistas e visitantes); mas, mais importante do que tudo isso, o número de camas actualmente ocupadas pelas tão faladas “altas problemáticas”.

Espanta-me ouvir defender que o hospital deverá ter mais camas para continuar a albergar os utentes... que não deveriam estar no hospital!

Não deveriam estar no hospital por diversas razões: porque a permanência, desnecessária, no hospital é um risco para a saúde desses que lá ficam; porque a realidade (abandono, incapacidade dos próprios ou dos cuidadores) configura uma situação de Segurança Social e não de Saúde; e, argumento financeiro, uma cama de hospital custa cerca de quatro vezes mais o que custa uma cama de lar ou de cuidados continuados.

Desde 2007 que se tem tentado criar uma plataforma, a exemplo do que foi feito no restante país, que permita transferir a maior parte da responsabilidade por esses cidadãos da Saúde para a Segurança Social – “Rede de Cuidados Continuados Integrados”. O resultado não tem sido o melhor.

Não é razão para continuar no erro. Ataque-se o problema na sua génese. Não se continue a fazer aquilo que, em medicina, se chama “tratamento sintomático”: ter em conta os sintomas, sem tratar a origem do mal.

Mas, para que o problema seja devidamente pensado e acauteladas as suas consequências, é necessário equacionar o cenário, provável, de não ser possível reunir todas as condições para que o número de camas actuais possa ser reduzido. Contingências relativas aos ciclos eleitorais e/ou uma falta de visão esclarecida, sobre o assunto, por quem tem a capacidade de decidir, pode levar, inclusivamente, à necessidade de... aumentar o número de camas hospitalares.

O processo de desestruturação familiar em curso; a insuficiência dos cuidados domiciliares; o aumento da esperança de vida e a aparente incapacidade de fazer uma eficaz e eficiente reorganização dos Cuidados de Saúde Primários; a incapacidade de entendimento com a Segurança Social, podem continuar a promover a degradação do Serviço Regional de Saúde e tornar insustentável o seu financiamento.

Atribuo, em parte, os termos em que tem sido feita a discussão, à natural iliteracia em Saúde da grande maioria das pessoas. Não compreendo que partidos responsáveis, estejam no poder ou na oposição, e pessoas que, reconhecidamente, têm conhecimentos de Saúde, possam discutir o assunto com a ligeireza de argumentos e a falta de profundidade com que tem sido feito.

Estamos a transformar um problema sério, transversal a toda a sociedade e com evidentes repercussões no futuro, numa arma de arremesso de baixa política.

O que interessaria discutir é o que queremos que seja o Serviço Regional de Saúde. Como reorganizar o sistema, tendo efectivamente no centro o utente. Como promover a educação em Saúde. Como prevenir a doença. Como utilizar, de um modo mais racional, os meios disponíveis.

Isso só se faz, com profundidade e com argumentação séria e numa perspectiva de longo prazo, independente de ciclos eleitorais ou de ideologias.