Furtar é uma arte e uma ciência? O caso do “ladrão honesto”
A melhor arte de furtar é tentar parecer honesto sem o ser
“A arte de furtar é ciência verdadeira porque tem princípios certos e demonstrações verdadeiras para conseguir os seus efeitos.” Assim descreve o livro “Arte de furtar” de autor anónimo do séc. XVII. Mais explica este livro de que furtar é a arte que “se ocupa em despir uns para vestir outros”. Disse um mestre da arte do furto:
Com arte e engano
vivo metade do ano;
com engano e arte
vivo a outra parte.
“Quando vejo continuar no ofício ilesos, não posso deixar de o atribuir à destreza da sua arte. Que os livra até da justiça mais vigilante”, segundo o autor do mesmo livro.
O feitor honesto
Para exemplo desta arte, o autor descreve o caso de uma viúva rica, receosa de ser enganada, pediu ao pároco que a ajudasse a escolher um feitor honesto.
Por essa altura, um cidadão com ar penitente entregou ao padre um saco de dobrões (antigas moedas). Disse que o achara perdido e pediu que o padre anunciasse na missa e que o restituísse a quem provasse ser o seu dono. Pouco depois, uma senhora apareceu e disse: “a bolsa é minha! Por sinal que é de couro pardo com uns cordões verdes e tem dentro seis dobrões, quatro patacas e papelinho de alfinetes”. Como era correto, o padre entregou tudo à dona do saco, dando graças a Deus que nada se perdera.
Artimanha
O padre logo informou à viúva rica que encontrou a pessoa ideal para o seu feitor, um humilde cidadão honesto que até devolveu um saco de moedas que tinha achado. No entanto, a mulher que reclamou as moedas era a mãe do achador, a qual, instruída pelo filho, sabia o que o saco continha. O achador era, afinal, um ladrão que convenceu o padre de que era a pessoa honesta que a viúva procurava. Em pouco tempo, o ladrão, agora “feitor honesto”, tratou de ensacar o ouro e dez a doze mil cruzados e outros bens da rica viúva e passou para outro hemisfério. Nunca mais dele teve notícia.
Conclusão
Este é um exemplo para provar de que o furto é uma verdadeira ciência que requer inteligência e engenho. Negar que o furto é uma arte e ciência, é negar a luz do sol. A melhor arte de furtar é tentar parecer honesto sem o ser, tal como escreveu António Aleixo:
Sei que pareço um ladrão
Mas há muitos que eu conheço
Que não parecendo o que são
São aquilo que eu pareço.