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A hora é de fazermos o caminho para a neutralidade carbónica daqui a 50 anos

Seja isto um soneto sideral que se solta à melodia, fonema que se aparelha em quartetos e tercetos. É que vou ao vate torto, na esguelha e de bêbado, catar metáforas no lixo e desassossegar a solidão. Evado-me destes templos, em aflição da permanência, espenujo-me no ar poesia e escondo, na sina de albatroz, esta predisposição para o voo e quanto de viagem sou. Chove na madrugada. Oxalá a chuva desanuviasse as emissões tóxicas.

Ontem, por conta da crise climática e da dívida ambiental, a notarem-se no dia-a-dia, foi tudo a pensar nas nossas escolhas. Estando as coisas como estão, sem dramatizarmos, mas olhando com bom senso, o caminho é sombrio. Alguns senhores do mundo (que são os senhores da guerra, da desigualdade e da ordem inquinada) procuram convencer-nos que o mal não é tão catastrófico e que os furacões, o degelo dos polos, as erupções, os tremores de terra e os maremotos, as enchentes e as secas extremas, as migrações humanas desenfreadas e a velocidade furiosa da perda da biodiversidade, tudo isso seja uma espécie de nada a ver com nada. Entretanto, o mal salta-nos à vista e impõe-nos a sina de Antígona, a de escolhermos a decência de honrar o próximo, nosso irmão. À revelia de Creonte, que o mito, como nos revelou Fernando Pessoa, é um nada que é tudo.

Sim, compreendo o pânico e a lógica de fazermos pequenas, grandes coisas. Mantermos o lixo diferenciado cá em casa e o ecoponto na vizinhança. Mobilizarmo-nos nas ruas. Vamos a isso de plantar árvores (a de fruteiras é ideia genial) e repor as areias nas praias das ilhas, precavendo a salinidade da água e a agricultura. Vamos a isso de vigiar as pesticidas nas plantas e de andar a pé que o coração agradece. Tirar a carne de vaca da dieta, eliminar o plástico nas compras e substituir as lâmpadas por leds são medidas para reduzir a pegada carbónica e cada um de nós, ao tanto que possa, deve fazer a sua parte. Entretanto, a minha convicção é que só inverteremos a emissão do CO2 se passarmos a votar diferente e a eleger melhor, pondo de lado a necropolítica. A democracia, com alto nível de consciência ambiental, talvez seja a nossa sobrevivência.

A hora é de fazermos o caminho para a neutralidade carbónica daqui a 50 anos. É no estarmos na luta, contra as estórias que não nos convêm, que damos resposta à emergência climática. É no existirmos sem escolhas neutras que se define a nossa essência. É no existirmos, especialmente nas escolhas feitas ao longo do tempo, que vamos sendo. E é, em grande medida e atrapalhando o tempo verbal, a posteriori que somos.

Fique como nossa essência esta de cidadãos inconformados com o sequestro das nossas vidas. A despeito da choldra dos comentários políticos – uns cretinos, outros ensurdecedores, de tão extremistas - que leio nesta rede social. E destas emissões tóxicas e deste terror oracular não há chuva que os valham?