Artigos

Eutanásia

Muita gente me pergunta qual é a minha opinião acerca deste momentoso assunto da Eutanásia. Em boa verdade, devo responder que...não tenho!

Todos os projectos de lei sobre a despenalização da morte medicamente assistida (eutanásia) foram, quinta-feira passada, votados favoravelmente na Assembleia da República. Os diplomas baixam à comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdade e Garantias, provavelmente em coordenação com a Comissão de Saúde, para a discussão na especialidade. Parece ser vontade de todos os proponentes (PS, BE, PAN, PEV, IL) que seja possível, das cinco propostas, fazer um diploma conjunto.

Há, no entanto, outras instâncias por onde tem de transitar o diploma: Presidente da República que pode vetar ou enviar para o Tribunal Constitucional e o Tribunal Constitucional que não pode deixar de ter em conta o Capítulo I da Constituição Portuguesa “Direitos, liberdades e garantias pessoais” que, no seu Artigo 24º,“Direito à vida”, postula no ponto 1: “A vida humana é inviolável.”

Deixemos funcionar as instituições.

Muita gente me pergunta qual é a minha opinião acerca deste momentoso assunto da Eutanásia. Em boa verdade, devo responder que...não tenho! Não sei se a minha opinião está suficientemente fundamentada para, pelo menos para mim, ser clara e inequívoca.

Por uma questão de honestidade intelectual, tenho dificuldade em responder “sim” ou “não”.

Todas as propostas deixam de fora menores e pessoas incapazes. Todas pressupõem que cada processo só pode avançar com a autorização de uma comissão que irá acompanhar os pedidos. Em todas, o pedido só poderá ser feito pelo próprio doente que tem de ser maior, português (ou residente em Portugal) e ter “uma lesão definitiva ou doença incurável e fatal e estar num sofrimento duradouro e insuportável”. Tem de estar consciente e lúcido quando fizer e reiterar o pedido.

Parece-me cauteloso, do ponto de vista da sociedade e do doente. Só que este processo pressupõe o contributo de terceiros (profissionais de saúde). Aí, do meu ponto de vista, a situação complica-se.

Mesmo assumindo que é possível e desejável desenvolver muito os cuidados paliativos, estes não dão resposta cabal a todas as situações.

As boas práticas médicas dizem, apenas, que os clínicos não devem prolongar artificialmente a vida, de um doente terminal, recorrendo a tratamentos “desproporcionados”. Como salvaguarda, os cidadãos podem fazer um Testamento Vital para dizer que cuidados de saúde pretendem, ou não, receber quando ficarem doente.

Para o profissional médico existe um código de ética e uma deontologia médica que regulam a profissão. Existe, ainda, embora de um modo voluntário, o “Juramento de Hipócrates”, com origem estimada no séc. V a.C, (escrito em grego jónico) que sofreu, ao longo dos séculos, adaptações, revisões e actualizações culminando, em 2017, com a actual “Declaração de Genebra” proposta pela Associação Médica Mundial.

No actual “Juramento de Hipócrates”, a orientação sexual passou a figurar entre as considerações que não se podem interpor entre o dever do médico e o seu doente, a par da idade, deficiência, crença religiosa, origem étnica, nacionalidade, filiação política ou estatuto social.

Foram, também, introduzidas as frases “Respeitarei a autonomia e a dignidade do meu doente” e “Guardarei o máximo de respeito pela vida humana” em substituição da anterior “Guardarei respeito absoluto pela vida humana desde o início”. A substituição da expressão “respeito absoluto” por “máximo respeito” pode dar abertura a outra interpretação potencialmente indutora de outra praxis, baseada, também, na declaração “Respeitarei a autonomia e a dignidade do meu doente”.

Embora me incline, decididamente, para a despenalização da eutanásia, não posso deixar de ter em consideração que a “operacionalização” da mesma contende com inúmeros conceitos que são tradicionais e difíceis de ultrapassar, por alguns.