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Esgotados, insatisfeitos e determinados?

a contestação/conflitualidade social aumentou sensivelmente a pouco menos de um ano dos três atos eleitorais já agendados para 2019

Há dez anos, as principais economias mundiais – e a já débil e condicionada economia portuguesa – vacilavam diante da pior adversidade desde a “Grande Depressão de 1929”. Em Portugal, seguiram-se cinco anos de recessão e, segundo as contas do Banco de Portugal (BdP), os outros cinco já foram fora da recessão. Estamos agora no desfecho de 2018 e a nossa economia deverá atingir este ano o nível ‘pré-crise’ de 2008, mas, dizem os especialistas, a estrutura do PIB mudou muito nestes longos e espinhosos 10 anos.

Se antes da crise o mercado não estava a funcionar corretamente – e o seu ápice foi o dia 15 de setembro, uma segunda-feira, data em que o Lehman Brothers, o quarto maior Banco dos Estados Unidos declarou falência – com a crise houve uma perda generalizada da confiança e grandes setores do sistema financeiro à escala global estiveram – e alguns ainda estão – em risco de colapso.

É um facto que o Lehman Brothers não recebeu qualquer ajuda do Governo americano e não encontrou nenhuma outra instituição disposta a estender-lhe a mão. Como resultado, sucumbiu. Porém, a Reserva Federal (Fed) dos EUA e o Governo americano viram-se obrigados a abrir as torneiras para salvar outros bancos e acautelar mais pânico, ou seja, viram-se coagidos a ‘acudir’ ao mercado muito mais do que às pessoas/cidadãos.

Em Portugal, as falhas no modelo de fiscalização/supervisão por parte do Banco de Portugal (BdP) – e que resultaram numa quase falência, com “efeito dominó”, do sector da Banca – levaram ao desmoronamento e nacionalização do BPN, à falência do BPP, à intervenção do Estado na gestão/administração da CGD, primeiro à recapitalizou do Banif em 1100 milhões de euros (e, posteriormente, à sua insolvência e venda ao Santander) e, não esqueçamos, à resolução do BES, a última pedra a cair de todo o império do Grupo Espírito Santo.

A solução encontrada para a crise financeira, que depois se tornou económica e social – com a intervenção troika, uma ‘equipa’ composta pelo Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia – em quase nada se distanciou da solução americana: auxiliar o sector financeiro, atender às necessidades de financiamento do Estado, corrigir o défice (que se situava, em 2010, em 9,1% do PIB), em suma, acudir aos mercados pois pouco relevante era defender e socorrer a situação frágil das vidas dos cidadãos, como se veio mais tarde a demonstrar.

Entretanto, passou uma década. Os portugueses estão agora ‘esgotados’. Depois do défice orçamental o país assistiu – continuou a observar, mediante as diversas e sucessivas ‘ondas de choque e danos colaterais’ – ao surgimento de outros défices: défice de emprego, défice de Justiça, défice de natalidade, défice de transparência e consequente aumento da corrupção, défice de estratégia, défice de solidariedade, em suma, e ainda mais grave, défice de futuro!

Tal situação, aliada a uma gradação da insatisfação dos cidadãos, estimulada por decisões/soluções pouco credíveis (e exequíveis) apresentadas pela classe política vigente durante todo este período de tempo – e pelo incremento das desigualdades sociais – legitimada pelo direito à indignação, conduziu, nos últimos meses, a grandes protestos e greves (dos professores, enfermeiros, guardas prisionais, oficiais de justiça, notários, bombeiros, farmacêuticos, técnicos de diagnóstico, polícia judiciária, estivadores, juízes, etc.), um direito (à greve) que deve ser “respeitado”, esperando que quem recorre ao protesto pondere os efeitos que provoca junto dos portugueses, disse o atual Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Está agora acesa a mecha que poderá ativar o surgimento, com fôlego, dos populismos.

Por outras palavras, a contestação/conflitualidade social aumentou sensivelmente a pouco menos de um ano dos três atos eleitorais já agendados para 2019: primeiro as Europeias, depois as Regionais na RAM e, por último, as Legislativas nacionais.

Estamos hoje a poucos dias da realização de um protesto nacional que, diz a imprensa nacional, já tem mais de 40 mil cidadãos interessadas e 14 mil a garantirem a sua presença. A indignação e insatisfação, que não é em si-mesma uma política, parece presentemente estar a corporizar-se em ‘movimentos inorgânicos’, importados de França, que exigem uma mudança. Para grande surpresa de muitos – e desconcerto das elites dirigentes – está a emergir uma qualquer determinação popular (apoiada, talvez por forças antissistema) que exige transformação, uma reforma das/nas políticas e do sistema, que demanda outra forma de redistribuição e que está disposta a ir para as ruas.

A debilidade da política – e a crise/falta de lideranças – nos últimos anos, evidenciou que esta foi impotente para impor limites aos desígnios dos mercados. Como resultado, as expectativas geradas nos portugueses não foram devidamente correspondidas e, hoje, no horizonte continuamos a ter um futuro hipotecado. É este o legado da deriva corporativista dos últimos 44 anos. A participação ativa dos cidadãos é um valor democrático; é então urgente que os portugueses o efetivem! Só assim haverá reais transformações.