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Em nome da sogra

Robles confirma os piores vícios

Nunca dei muita importância àquele discurso pálido e monocórdico de Catarina Martins, líder do Bloco de Esquerda, licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, atriz e sócia de uma empresa de turismo rural, na qual, segundo o jornal Expresso, detinha 50% do capital social e da qual terá sido gerente, tendo, aquando da sua eleição, “três dias” antes de iniciar funções de deputada em exclusividade na Assembleia da República, passado a sócia minoritária, com apenas 4% do capital da empresa, “cedendo a sua posição à sogra”, isto depois de ter recorrido a fundos europeus para empreendimentos turísticos no Sabugal, entretanto aprovados pelo máximo.

Ora, porque sobre os titulares de cargos públicos e pessoas com responsabilidades políticas recaem particulares exigências, e perante um reforçado quadro legal que, numa política de transparência das informações relativas à propriedade, introduz inclusivamente o conceito de “beneficiário efetivo”, devo, desde já, deixar aqui uma reflexão sobre a necessidade de se esclarecer as circunstâncias concretas vindas a público, nas quais terá sido alterada a estrutura de capital daquela sociedade de turismo rural.

E, numa altura em que o Presidente da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME), numa entrevista publicada recentemente neste jornal, acaba de alertar para a falta de informação relativamente a verbas e fundos de apoio às lojas históricas, devo, também, dizer que não me parece razoável que, direta ou indiretamente, sejam os políticos os primeiros a beneficiar de fundos europeus no âmbito dos seus empreendimentos ou investimentos pessoais.

A verdade é que o resultado alcançado nas eleições legislativas de outubro de 2015 e a forma como viabilizou a atual solução governativa, acabaram por dar ao Bloco de Esquerda especial protagonismo, tendo inclusivamente o Jornal Económico anunciado em 2017 uma votação que considerava a líder daquele jovem partido a mulher mais influente em Portugal.

Creio, porém, que o entusiasmo foi excessivo, pois parece-me que o sucesso bloquista terá sido apenas o produto circunstancial, quase aleatório, do descontentamento que levou uma parte significativa do eleitorado – daquela metade que ainda vota – a desviar o sentido de voto para um pequeno partido de oposição, procurando algum equilíbrio. Acontece que o Bloco de Esquerda acabou por aproveitar esse resultado eleitoral para legitimar um modelo de governação que ultrapassa a intenção genuinamente subjacente aos votos que alcançou, deixando-se absorver por uma solução que o anula, à qual ficará para sempre ligado e que resume agora a sua atuação a um número limitado de encenações estéreis.

No meio de tudo isto, Ricardo Robles é a verdade escondida que confirma os piores vícios de uma classe política que atua contra os princípios que proclama. Diz-se que Catarina Martins não sabia que Robles iria vender o prédio de Alfama com uma mais-valia de quatro milhões de euros. A questão que se impõe é simples: E se soubesse? Tendo em conta o que tem vindo a público, ou seja, a forma como a líder do Bloco de Esquerda tentou segurar Ricardo Robles, os 16 votos contra a destituição e apenas 2 a favor, sabendo do seu lado igualmente empreendedor e partindo do princípio que aconselha de acordo com o que faz, o que teria dito Catarina Martins?