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“El algodon no engaña!”

Os próprios utentes do SESARAM não estão devidamente protegidos

Certamente muitos se recordam desde slogan do publicitário catalão Pere Montalà, ilustrando: o que parece limpo e transparente, muitas vezes não o é!

Vem a ilustração a propósito da recente descoberta que a Administração do Sistema da Saúde da República, terá “limpado” doentes das listas de espera usando um mecanismo indevido para alterar datas de inscrição de utentes, isto numa altura em que era presidida pela actual ministra da saúde, Marta Temido.

Na prática, doentes em espera eram administrativamente retirados da mesma e o tempo máximo que poderiam permanecer em espera era adulterado, sempre com o suposto prejuízo para o utente do SNS, como confirmou em 2017 o Tribunal de Contas.

Segundo o Sr. Bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, era importante avaliar todos esses (2600) doentes, para perceber se morreram por um enfarte ou um acidente, por exemplo, ou se morreram “por evolução da sua própria doença enquanto esperavam por cirurgia”. Reafirma “Era uma matéria que devia ser avaliada numa auditoria, vendo doente a doente, o que não aconteceu. Parece que passou em branco. Eu acho que obrigatoriamente era matéria de intervenção do Ministério Público para esclarecer a situação”.

Esta maquiavélica metodologia socialista na República será também prática corrente na Madeira, como oportunamente noticiou este Diário.

Aqui levanta-se uma das questões mais importantes na gestão de saúde actual, a transparência do sistema e, conexa com esta, a credibilidade do mesmo. A propósito diz Gary Kaplan, um influente gestor de saúde, “É impossível ser transparente com o doente se não é imposta uma forte cultura de transparência dentro das próprias organizações de saúde”. E diz mais, “Quando as equipas de saúde (e seus líderes) forem honestas entre si, falarem sem medos, não houver censuras, então haverá naturalmente colaboração e partilha das melhores práticas”. Naturalmente, os doentes serão os derradeiros beneficiados.

Infelizmente na Madeira estamos muito longe desta realidade desejável. Quer as chefias intermédias quer as de topo são escolhidas muito pela obediência inquestionada à hierarquia. Aliás, como ficou manifesto nas recentres audições na Assembleia. A cultura do medo no SESARAM é a norma, os processos disciplinares são gratuitos, politizados, como bem ilustra o caso do gestor Duarte Dória. A censura, quando não é institucional, é cultivada no inconsciente de cada colaborador, devidamente adubada com adequadas doses de medo e repressão. Pensarão, então, os colaboradores: “Para quê falar, ou avisar os doentes? Mais valerá para mim estar calado!”

Os próprios utentes do SESARAM não estão devidamente protegidos. O Gabinete do Utente acaba por não ser o defensor dos seus direitos legítimos. Ele desconhece a sua posição na lista de espera, desconhece o tempo médio espectável em espera, bem como não lhe são dadas alternativas em caso de incumprimento dos prazos.

Esta semana começou a Comissão de Inquérito à situação das listas de espera para cirurgias, consultas e exames na Madeira sugerida pelo CDS. Sinceramente, antevê-se tudo menos transparência pelas vozes da Administração e Direcção Clínica do SRS. Confesso que estou curioso nas análises que farão do que foi prometido no Programa do Governo, com o que foi realmente feito. Sabemos oficiosamente que a lista cresceu 26%, ou seja, há agora mais 4318 madeirenses em espera por cirurgia do que no início do mandato de Albuquerque.

Torna-se claro que o Presidente do Governo tem um vício manifesto. Esta adicção está aos olhos de todos. São os excessivos gastos na obra pública efectuada sem o “peso, conta e medida” que a prudência justificaria. E o resultado destas opções foi confessado recentemente na RTP pelo deputado Sérgio Marques, “Foi um erro não ter investido a sério na resolução eficaz das listas de espera no SESARAM”. Ou, como diria Pere Montalà, “El algodon no engaña!”