Direito à vida e direito à morte
São totalmente desaconselháveis decisões apressadas, emotivas e/ou meramente ideológicas
É impossível ficar indiferente ao tema da eutanásia, seja ela passiva (por retirada de meios de suporte/manutenção da vida), e que já é genericamente admitida por via da figura do testamento vital, ou activa (por administração de substância letal), que, neste momento, é admitida na Holanda, Bélgica e Luxemburgo, ou ainda na modalidade de suicídio assistido (administração de substância letal pelo próprio, assistido por terceiro), apenas admitido na Suíça.
Com efeito, a legalização/liberalização da eutanásia suscita delicadas – e infindáveis – questões de consciência, morais, religiosas, sociais e jurídicas, e em relação às quais não é possível reunir consenso, nem, a meu ver, adoptar uma posição absoluta e irredutível.
Até porque muitas vezes o que é fácil na teoria, complica-se na prática.
Pela minha parte, e assumindo que os argumentos religiosos, embora muito respeitáveis, não serão, certamente, os decisivos nos dias que correm, tenho sentimentos contraditórios relativamente à matéria.
Por um lado, compreendo e respeito que, em certas situações extremas, alguém entenda que, quer por si, quer pelos que lhe são próximos, não faz sentido continuar a viver e que tem o direito de acabar com o sofrimento em que se encontra. Admito, aliás, que poderei um dia vir a estar colocado nessa mesma situação e que, sendo o caso, gostava de ter a faculdade de poder tomar tal opção.
No entanto, colocando-me numa perspectiva generalista e do “bem comum”, confesso que sou muito sensível ao argumento da “rampa deslizante” e/ou do efeito multiplicador.
A verdade é que no nosso país – e não só – as leis “permissivas” tendem a ser interpretadas e aplicadas de forma mais “benévola” do que as leis “repressivas”. Em concreto, as primeiras tendem a ser objecto de interpretação/aplicação extensiva, e as segundas de interpretação/aplicação restritiva (ou, pelo menos, estrita).
A título de exemplo, não tenho grandes dúvidas que em Portugal é mais fácil realizar uma interrupção voluntária da gravidez do que obter uma licença camarária para executar obras num imóvel.
Ora, este “facilitismo”, associado à “deterioração” dos costumes potenciado por soluções – ditas – inovadoras e disruptivas, pode permitir que aquilo que é (e deve ser) uma excepção se torne a regra.
Designadamente, basta que o processo de verificação dos motivos atendíveis e/ou de controlo da formação e da autonomia da vontade do “paciente” se torne pouco rigoroso, para que o direito que se pretende criar/defender se torne numa arma de arremesso/vingança, num instrumento político, financeiro e/ou comercial e, no limite, numa chaga social.
Noutro plano, não gostaria de viver num país e numa sociedade que admitam a eutanásia em/de crianças menores, designadamente, e como sucede na Holanda, a partir dos 12 anos, ou na Bélgica, neste caso sem limite mínimo de idade. Nem, tão pouco, que dispensem o sofrimento físico “constante e insuportável” como requisito indispensável, dispensa esta que, no limite, poderia abrir a porta à morte assistida por motivos de insuficiência económica e/ou estados de espírito passageiros e/ou induzidos.
Finalmente, preocupa-me o facto de os defensores irredutíveis da legalização – alguns deles legisladores – se terem apressado a vir relembrar que o direito à vida não é absoluto, revelando uma certa predisposição para aceitar sucessivas limitações ao mesmo.
Predisposição que, no limite, pode levar a admitir a pena de morte e/ou a morte por motivos legítimos previamente (ou casuisticamente) definidos, designadamente, e por absurdo – mas com abundantes exemplos “históricos” –, religiosos, políticos e afins.
Assim, e dado que, se o direito à vida não é absoluto, o direito à morte (ou a matar) não pode ser generalizado, nem banalizado, há que ter muitas cautelas na abordagem e regulamentação da matéria, sendo totalmente desaconselháveis decisões apressadas, emotivas e/ou meramente ideológicas.