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Desmistificar as corridas de touros

Há franjas da nossa sociedade que infelizmente e cada vez mais, preferem os animaizinhos

Tenho lido alguns artigos de opinião e outros comentários avulso acerca das corridas de touros, também designadas por touradas. À parte da opinião de cada um sobre o assunto, que se respeita, surgem por vezes comentários ou afirmações soezes, proferidas com uma elevada carga de inflamada maledicência, ou, pior ainda, reveladoras de uma total ignorância sobre o assunto. Para que nos pronunciemos sobre determinado assunto, e para que isso seja credível, temos de fundamentar-nos forçosamente com o mínimo de conhecimento sobre a matéria abordada.

Para quem não sabe, e calculo que sejam muitos, o touro bravo ou touro de lide, possui na sua conformação anatómica, uma zona de grande acumulação de gordura bem localizada entre as espáduas, e que lhe serve de reserva energética para fazer face a períodos de carência alimentar e/ou hídrica, designada por morrilho, e caracteriza-se por possuir uma fraca vascularização e rudimentares terminações nervosas. É nessa zona, e apenas aí, que são colocadas as bandarilhas por ocasião das lides.

As corridas de touros regem-se por rigorosa regulamentação, e não é por acaso que nas mesmas é sempre obrigatória, para além do director da corrida, a presença de um médico veterinário e de um graduado da PSP. O touro só pode ser lidado no máximo, por 12 minutos, ao que se segue a pega, na qual ele está francamente em supremacia relativamente ao homem. A lide pode ser suspensa em caso de o animal apresentar sintomas que o justifiquem. Os touros, desde que nascem até serem lidados, permanecem cerca de quatro anos, apascentando em completa liberdade, e são acompanhados de perto pelo pessoal que gere as ganadarias, o proprietário e os seus colaboradores directos, o maioral e os campinos. Tudo isto se desenrola na região do Ribatejo, onde o touro bravo e o cavalo lusitano fazem parte desde há séculos, do quotidiano de muitos ribatejanos. Tudo gira à volta do touro e do cavalo, e o peso que estas actividades representam para a economia da região, e os empregos que asseguram, é deveras significativo. São os campinos com os seus trajes garridos, as coudelarias, as correarias, as actividades agrícolas que tudo sustentam, a exportação de touros para Espanha e para França, os ferradores, as casas de adereços, etc.; tudo isto constitui uma herança e um património cultural vivo e dinâmico, endémicos de Portugal. Não é por acaso que a equitação clássica portuguesa praticada naquela região, em particular pelos cavaleiros tauromáquicos, atrai a atenção de um número cada vez maior de adeptos, apresentando o seu expoente máximo por ocasião da Feira Nacional do Cavalo, na Golegã. Aqui, nacionais e multidões de estrangeiros, vêm à procura da equitação genuína e fina por nós praticada (e desaparecida por toda a Europa como consequência dos dois grandes conflitos bélicos), bem como do cavalo lusitano, da tauromaquia e da cultura portuguesa.

Criticar por criticar, muitas vezes a reboque das emoções e das opiniões absolutamente infundamentadas de outrem, parece que passou a constituir prática corrente nos dias de hoje. Outros há que optam por proferir inverdades confrangedoras e intelectualmente desonestas, tais como, “...os que vão a cavalo a quem cortaram as cordas vocais para não chamarem a atenção à fera negra...” (DN, 13/Nov/2018); ou, de forma ofensiva e intolerante, apelidar de bárbaros quem, por vontade própria, tem todo o direito a assistir a touradas “...para gáudio de uma plateia bárbara...” (DN, 24/Nov/2018).

Não me considero entusiasta do futebol ou dos combates de boxe, mas no entanto, não me oponho a essas preferências nos outros. Cada um assiste àquilo de que gosta, faz parte da liberdade individual.

Há franjas da nossa sociedade que infelizmente e cada vez mais, preferem os animaizinhos de companhia aos filhos, entrando a passos largos num género de pandemia psicótica – a “cultura do caniche”. São estes e outros similares, os mais furiosos nesta questão das touradas. Mas, a incoerência de muitos destes ditos defensores dos animais, vai com certeza ao ponto de não prescindirem de um bom bitoque com ovo a cavalo, ou de um frango no churrasco, restos mortais de bovinos que, ao contrário do touro bravo, são criados em cativeiro de forma intensiva, imobilizados e sem nunca sentirem o sol, e de galináceos confinados a exíguos espaços, alimentados compulsivamente, para que engordem o mais rápido possível.

E ainda há aqueles defensores dos animais, que tentam a todo o custo humanizar o seu cão ou o seu gato, mas claro, não esquecendo muitas vezes de os castrar, esterilizar, ou de lhes arrancar as unhas, para que se comportem bem e assim possam partilhar com eles o mesmo espaço. Pouco falta para que esses “humanizados”mutilados infelizes, comam à mesma mesa dos seus donos.