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Decisão judicial retira pulseira electrónica a agressor

Nem mais. O título que acaba de ler é de uma verdade, verdadeira. Constava da primeira página de um jornal de tiragem nacional. Por acaso, só vi no formato digital e não li a notícia respectiva. Mas, nem preciso lê-la para desde logo acreditar e discordar da decisão.

Na realidade, as notícias sobre os casos de violência doméstica (VD), quando são divulgadas e não escondidas ou atiradas para o caixote do lixo, mostram-nos a realidade do nosso país, o chamado país real, sem manipulação dos fatos. Só este ano já foram 10 as mortes de mulheres vítimas de VD, e em Portugal em média, 35 mulheres são assassinadas todos os anos, pelos maridos, ex-companheiros ou outros familiares.

O número de casos de VD em Portugal tem aumentado nos últimos tempos. O Governo e as Forças de Segurança estão agora mais atentos à situação, assegura quem trabalha na área, mas é preciso fazer mais. Passa tudo por olhar para quem mora ao nosso lado.

Não é só uma sensação senhores magistrados. É um facto que, nestes primeiros meses deste ano, o número de mortes por VD aumentou, comparativamente com 2018 e as estatísticas que temos são oficiais e o número de casos que a imprensa abordou equivale ao número total de mortes noticiadas, que nos permite ficar a saber do número oficial de mortes e da gravidade do fenómeno, que faz constar Portugal na lista negra das Nações Unidas.

Até aqui nada de novo senhores magistrados. Mas, quando foi tornado público através do acórdão que mandou retirar a pulseira electrónica a um homem que ameaçou e agrediu a mulher até lhe romper um tímpano. O agressor pode agora aproximar-se da vítima que, segundo o advogado, vive num estado de terror, ficando a sensação na sentença que os homens estão a ser demasiado penalizados nos casos de violência doméstica.

Mas dado que se trata de uma medida e de uma decisão polémica e que vai ter consequências negativas nas posturas futuras dos agressores ou agressoras em contexto de violência doméstica, a decisão não parece tão simples como pensamos, mas no mínimo é revoltante do ponto de vista moral de todas as vítimas de VD, com destaque para as crianças que na grande maioria das vezes assistem a estes cenários de horror dentro da suas próprias casas.

Senhores magistrados, sem fazer comparações, não seria uma decisão tão estranha, quando o número de casos de VD aumentou para níveis de alarme.

Mas, como discutir o Código Penal Português já virou tradição, especialmente quando se observa com frequência a prática de alguns crimes bárbaros, as próprias Forças de Segurança e os seus profissionais que lidam diariamente com este flagelo, comovida por certas atrocidades, passa a se manifestar e desejar medidas drásticas de combate à violência, muito mais por impulso revoltoso do que por convicção duradoura.

Senhores, neste tipo de processo “penal imaginário”, seria realizado um princípio fundamental da administração pública: a eficiência, ou seja, teria o resultado esperado (descoberta da verdade dos fatos com a consequente aplicação do Direito Penal ao caso concreto) com o menor uso de recursos humanos, financeiros e de tempo. Infelizmente, sabe-se que estamos muito longe disso. Esta decisão agora conhecida, é a crónica ineficiência do sector judicial, que, não presta de forma minimamente razoável os serviços a que propõe. Mas, no caso específico do processo penal, temos de nos perguntar: quem ganha com este tipo de decisões?

Primeiramente, o agressor “foro privilegiado” torna-se quase que uma garantia de impunidade. Senhores magistrados e quem perde com a ineficiência do processo penal? Nós, cidadãos comuns, que não contamos com nenhuma espécie de poder político ou económico e aceitamos passivamente cerca de 35 homicídios em contexto de VD. De uma forma ou de outra, já sabemos: em Portugal, o crime compensa.