Artigos

Cuidar de quem cuida

A época natalícia desperta-me particulares e saudosas recordações de pessoas e momentos relacionados com as minhas vivências familiares, no Jardim do Mar. Lembra-me também todo o espírito de suporte, interajuda e solidariedade entre os elementos da família alargada, dirigido aos mais adoentados e aos idosos.

Ensinaram-me que cuidar dos mais velhos era um ato natural e inquestionável, à luz da ética familiar.

A estrutura familiar estava alicerçada numa cultura ancestral; ia sendo reproduzida de modo a assegurar o conforto e a dignidade dos mais frágeis. Estava implícito que um membro feminino, preferencialmente, assumiria a tarefa de cuidar dos membros mais velhos da família ou dos menos capacitados. As pessoas tinham poucas posses e ainda menos ambição, e talvez por isso valorizavam as relações familiares e comunitárias. Davam apoio uns aos outros. Havia pouco lugar ao individualismo.

O paradigma familiar mudou, com o desejo de vidas melhores e as oportunidades e direitos que as mulheres passaram a usufruir, para bem da sua própria realização pessoal, intelectual e profissional. Mas a família e a sociedade não foram capazes de se adaptar, cabalmente, para dar as respostas aos mais idosos e àqueles que são menos autónomos.

Sabe-se que em Portugal há 800.000 pessoas que dedicam a sua vida a cuidar de um parente com algum grau de dependência e que a tarefa continua a recair sobre as mulheres. Mas independentemente do género, a tarefa impede que esses cuidadores não profissionais possam, caso pretendam, realizar-se pessoal, profissional e socialmente. Nesta época em que o convívio entre amigos ou família se predispõe mais, dou valor e reconheço o espírito de entrega e, por vezes, de sacrifício, em prol dos seus.

É urgente encontrar formas e meios para dar qualidade de vida aos cuidadores (informais), sem oportunismos políticos e populismos. Os cuidadores não precisam de pena, mas carecem de apoio, para alívio de uma “carga” que assumem com amor e, muitas vezes, com grande sacrifício, pagando o preço da sua própria liberdade individual.

Um Feliz Natal a todos e que o Ano de 2019 reserve boas surpresas e prosperidade.