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Aves Raras

o caso da Raríssimas vem confirmar que existem pessoas

As entidades do denominado “terceiro sector” (em especial as associações e as fundações) desempenham uma importantíssima função social, complementando a actividade do Estado e assegurando a concretização de interesses colectivos e a prestação de serviços de interesse público. Quer seja em consequência da crescente demissão do Estado dos seus deveres fundamentais, quer seja pelo aumento da responsabilidade social dos cidadãos, o terceiro sector já assume, em Portugal, um peso muito relevante. Designadamente, e de acordo com os últimos dados conhecidos, estarão em causa mais de 55 mil entidades, mais de 260 mil trabalhadores e um contributo de cerca de 4% para o PIB nacional.

Por outro lado, legitimadas pelas características das actividades que se propõem desenvolver, bem como pela nobreza dos interesses que “juram” defender, algumas destas entidades têm acesso não só a avultados financiamentos públicos, mas também a relevantes contribuições e donativos privados, movimentando verbas a que muitas empresas privadas não têm, nem nunca terão, acesso, ou, sequer, possibilidade de aceder.

Ora, o caso da Raríssimas, que infelizmente não é único, vem revelar/confirmar que existem pessoas às quais não se pode/deve franquear o acesso às entidades, actividades e verbas do terceiro sector. Pessoas que se aproveitam das necessidades, da generosidade e do voluntarismo de terceiros em proveito próprio. Pessoas que não resistem à “vertigem” de um qualquer poder e que se guiam pela máxima de que o que é meu é meu e o que é de todos e dos outros também há-de ser meu...

De igual forma, este caso, tais como outros idênticos, veio – e deve –, mais uma vez, alertar as consciências para a promiscuidade com o (ou do) mundo da política. Na verdade, se os factos relativos à gestão da Raríssimas que vieram a público são, por si só, revoltantes, o envolvimento (ou a – já recorrente – distracção) de várias personalidades e entidades com responsabilidades políticas é surpreendente e não pode passar impune.

Neste particular, não é aceitável que um dos alegados comensais do restaurante “Santos e Silva & Sócrates” já tenha vindo tentar desviar as atenções, afirmando que, afinal, a culpa é do – desconhecido – tesoureiro da associação e não da “rainha-mãe” da mesma, nem das pessoas que lhe deram “palco” e que fomentaram as (ou se aproveitaram das) suas práticas nepotistas. Com efeito, “tão ladrão é o que vai à horta, como o que fica à (e lhe abre a) porta”...

Por tudo isto, e para que, também nesta área, Portugal deixe finalmente de ser um país de espertalhões e de oportunistas, é premente adoptar mecanismos concretos e efectivos de fiscalização destas entidades e de punição severa dos prevaricadores. No entanto, é bom que não “pague o justo pelo pecador”, bem como que o trabalho meritório de muitos não seja conspurcado pelos vícios e actos de certas “aves raras”.

Se é verdade que o mundo passaria muito melhor sem estes “espécimes”, também é verdade que, sem as entidades do terceiro sector, a generosidade e o voluntarismo que as mesmas geram e os serviços por elas prestados, as condições de vida de muitas pessoas verdadeiramente necessitadas passariam a ser ainda piores.