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Até Sempre Capitão!

Aqueles que nos são mais próximos e nos conhecem sabem sempre o que sentimos e o que dizemos sem falar. Hoje deixo as palavras escritas, mas são tão pouco perante tudo

Não imaginavas como me sentia honrado ao teu lado naquelas tardes de domingo, quentes ou frias, por vezes muito frias, em que assistíamos aos jogos da equipa da terra que viu nascer o futebol em Portugal, aos jogos da equipa da nossa terra.

E tu eras futebol e eras sorte. Eras forte e eras fibra. Eras rebelde e eras bom. Eras Homem e eras vida. Eras excesso e eras dom. Foste filho, és pai e foste irmão. Eras humilde e eras terra. Eras limite sem limites. Eras o limite que teimavas ultrapassar. E como é humano ultrapassar limites. Poucos compreendem essa teimosia silenciosa que nos empurra para além do que é certo, para além da razão. Poucos respeitam essa razão sem razão.

Não consegui dizer-te tudo. Nunca dizemos tudo amigo. Também é humano. Tu percebes. Nós sabemos. Aqueles que nos são mais próximos e nos conhecem sabem sempre o que sentimos e o que dizemos sem falar. Hoje deixo as palavras escritas, mas são tão pouco perante tudo.

O futebol aproximou-nos. E o futebol deu-nos muito, deu-nos os amigos que guardo e que me acompanham. Também te acompanharam sempre. São nossos amigos e são do futebol. Do futebol verdadeiro, não dessa indústria poluída, doentia e corrompida que alimenta ódios e violência. Eras do futebol verdadeiro a quem deste muito. Tu estavas lá. Estavas lá quando vibrava com os teus jogos. Eras discreto e eras líder. Eras talento e eras luta. Eras sereno e eras lume. Eras competência. Eras firme e inteiro. Eras limite sem limites. Eras o limite que teimavas ultrapassar.

E estavas lá quando me chamaram para treinar com o plantel principal. Éramos quase trinta. Eu era o mais novo. O treino terminava e tu esperavas por mim. Ninguém esperava. Os outros não esperavam. Erámos vinte e tal, mas só tu esperavas. Sentia-me importante. Isso fazia de mim melhor. Creio que só fiz coisas grandes quando me senti importante. Percebi ali que isso também era vida. Por vezes podemos ser muitos, podemos ser tantos, mas contamos com tão poucos.

Afastei-me depois. Segui o meu caminho. Tu também tinhas o teu caminho. Mas voltei. E tu estavas lá. Sempre foste futebol e sempre foste terra, a tua terra. Acabamos sempre por voltar a casa. E eu voltei. E tu estavas lá. E voltava sempre àquela família à qual pertencemos: à família do futebol e da nossa terra. Somos futebol, somos raiz e somos família. Como senti isso na tua despedida.

Agora partiste amigo. Partiste cedo, mas foste intenso. Cuidaste dos que amas e dos que precisam de ti. Integraste, formaste e ensinaste. Foste futebol e foste vida. Foste noite e foste dia, mas foste sempre verdade. Foste alma e foste tu. És símbolo e és história. Hoje não estás e eu estarei em mais uma tarde de domingo de futebol. Eu vou estar ali com os nossos, nesta tarde fria. Não estarás, mas continuarás connosco, porque tu foste futebol e és vida. Foste tu que te fizeste eterno à tua maneira. Até Sempre Capitão! Partiu mais um dos meus ídolos humildes. O meu respeito e a minha homenagem.