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Ambiente eleitoral

Faz falta um acerto entre o discurso ambiental eleitoral e a prática

Em vésperas de eleições, o cortejo de prioridades, propostas e promessas cobrem os diferentes temas que, supostamente, darão corpo aos anseios e aspirações legítimas dos eleitores, no seu direito à felicidade suprema. Há que varrer, de ponta a ponta, todos os temas, sectores e, para cada qual, dar conta da proposta e promessa que, de forma inequívoca, tratará de resolver os problemas, sejam eles quais forem ou o imenso tempo em que perduram.

O ambiente, no frenesim eleitoral, geralmente é remetido para segunda linha, não merecendo o interesse ou impacto que geralmente lhe é conferido no quotidiano pós-eleitoral. Basta ver o que são as notícias comuns sobre um aterro ilegal, descargas de águas residuais não licenciadas, problemas com a gestão de resíduos sólidos urbanos, uso indevido de espaços naturais, interacções negativas com espécies e habitats prioritários, para referirmos apenas alguns exemplos e, comparar com as propostas eleitorais quanto a cada um destes assuntos. Alguma repetição de compromissos associados a infraestruturas em falta, muita educação ambiental e a inevitável associação entre natureza, mar e turismo e o ritual está cumprido. Ninguém será acusado de ignorar o ambiente, ou de se ter esquecido de afirmar o quanto ele tem de valor intrínseco enquanto em comum, herança ancestral e espaço vago de identidade e potencial que, no entanto, ninguém ousa propor quantificar e fazer uso efectivo, assumindo-o como pilar do desenvolvimento.

Propostas concretas, objectivas, mensuráveis e devidamente suportadas por investimento inscrito em linhas orçamentais visíveis e verificáveis, já será mais raro ou impossível de encontrar, não vá dar-se o caso de se ter que fazer, o que implicaria uma mudança estrutural, orgânica e funcional que se vem adiando há muito. Faz falta um acerto entre o discurso ambiental eleitoral e a prática, muito para além do aspecto normativo. Existe ainda um longo caminho a percorrer, no qual se faria a distinção entre a gestão ambiental ao nível dos equipamentos, infraestruturas associados aos descritores qualitativos gerais como a água, ar, resíduos, energia, biodiversidade e aquilo que seria a formatação de um novo quadro, mobilizador mas, e ainda mais importante, capaz de transformar em activos os valores, os recursos naturais, numa lógica de conservação e uso sustentável. Não basta que a promessa assim o indique, como, aliás, de vez em quando o parece fazer. À ideia, ao discurso, à promessa, há que acrescentar a forma, os meios e as radicais mudanças fundamentais para garantir a sua execução. E não se trata apenas de custos, investimento ou meios. Falta uma verdadeira ruptura orgânico-funcional, um novo quadro conceptual suportado por uma filosofia, princípios e estruturas diferentes, novas com cultura institucional alinhada com o que hoje o ambiente necessita para que possa cumprir o seu desígnio enquanto factor determinante para a qualidade de vida dos cidadãos e, ao mesmo tempo, factor de dinamização de uma nova economia, mais solidária e sustentável, alternativa e geradora de oportunidades, emprego e crescimento. A ver vamos se o ambiente eleitoral traz algo de novo, nesse sentido, ao ambiente.