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Alojamento local - Sem reservas

A Lei n.º 62/2018, de 22 de agosto, que altera o regime de autorização de exploração dos estabelecimentos de alojamento local, e que entrou em vigor a 22 de outubro último, veio acabar com a especulação e trazer consigo a estabilidade legal que lhe faltava.

De entre as suas alterações, assumem especial destaque o surgimento de áreas de contenção e a influência – agora respeitável - das assembleias de condóminos na gestão e permanência das unidades de alojamento local (AL) em prédios subordinados ao regime da propriedade horizontal.

As áreas de contenção são medidas que visam a limitação e a regulação dos estabelecimentos de AL em zonas sinalizadas, onde a sustentabilidade e o património sociocultural estão em risco, pelo número excessivo de unidades. É o caso paradigmático dos bairros históricos de Lisboa.

Já a nova roupagem dada às assembleias de condóminos consubstancia-se essencialmente em duas possibilidades. Primeira: faculdade de fixar o pagamento de uma quota adicional, equivalente às despesas pela utilização acrescida das partes comuns, com um limite de 30% do valor anual da respetiva quota. Segunda: possibilidade desta assembleia, por decisão de mais de metade da permilagem do edifício - quando confrontada com distúrbios que perturbam o normal e adequado funcionamento do prédio - poder opor-se ao AL, dando, para isso, conhecimento à câmara municipal, que decidirá sobre o pedido de cancelamento.

Ora, se as medidas sobre as zonas de contenção foram recebidas de braços abertos pela generalidade dos intervenientes, já as restantes foram recebidas com muito menos entusiasmo.

Compreendo as razões desta apreensão, mas creio que andou bem a Assembleia da República ao aprovar estas alterações da maneira que o fez. Senão, vejamos: se nos abstrairmos de considerações e idealizações meramente políticas e teóricas, a verdade é que o desgaste das zonas comuns dos edifícios é maior com unidades de AL. Ora são as malas de viagem que sobem e descem constantemente nos elevadores, ora é o forçar da porta comum de entrada porque não se dá com o jeito para girar a chave; a verdade é que há uma possibilidade real de sobrecarga no uso. Neste sentido, não vejo de todo descabida a hipótese da aprovação pela assembleia de condóminos de uma contribuição extra, ainda para mais com aquele limite de 30%, para fazer face às despesas acrescidas de conservação.

Sobre a possibilidade de, por maioria de votos, poder haver oposição ao exercício da atividade de AL numa determinada fração, creio que, não obstante pisar terrenos sensíveis e pantanosos, foi uma opção acertada. Desde logo, quem compra um apartamento para habitação tem a expetativa de viver num lar e não num hotel. Há quem tenha a intenção de conhecer e conviver com os vizinhos e há quem não tenha, mas ambas as realidades têm de ser respeitadas. Por outro lado, esta decisão - que terá sempre de ser tomada por mais de metade da permilagem - tem de ser justificada e ser o resultado da prática continuada e comprovada de atos que afetem a normal utilização do prédio, assim como de atos que prejudiquem o descanso dos condóminos. Por último, caberá sempre ao presidente da câmara municipal, ou aos vereadores com competências delegadas, a decisão final sobre esse pedido de cancelamento. Portanto, é necessário obedecer a todo um procedimento e nenhuma assembleia de condóminos poderá agir de ânimo leve.

A indústria (?!) do AL continua a crescer e sem dar quaisquer sinais de abrandamento. A Madeira tem a estadia média mais elevada a nível nacional, mas, a sua gestão, sobretudo ao nível dos prédios em regime de propriedade horizontal, tem de ser sustentada e equilibrada. É fundamental que os residentes possam coexistir pacificamente com os visitantes.

Não coloco quaisquer reservas a estas medidas, e é neste contexto de uma gestão de AL cada vez mais empresarial que estas alterações ganham vida e sentido. Importa, por fim, lembrar que a citada Lei n.º 62/2018 teve o mérito de trazer a estabilização e a consagração legais há muito devidas. Que continuem as reservas. Mas só as que interessam.