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Ainda há quem queira Autonomia?

Já vamos sendo dos últimos Europeus a acreditar na Autonomia. Não queremos passar a vida a pedir mas a decidir

Tenho para mim que a independência é sempre uma alternativa à autonomia. Esta última é geralmente concedida por poderes centralizados que assim julgam afastar a ameaça de separação. É mais frequentemente oferecida do que necessária conquistar.

Ainda hoje não conheço o despertar da nossa Autonomia. Quem primeiro a enunciou, propôs ou exigiu. Os pormenores a nível partidário, de bastidores e de debate na Assembleia Constituinte não são conhecidos, até por mim que regressei à Madeira em 1976 e, nesse mesmo ano, concorri a eleições autárquicas e iniciei uma longa carreira política.

E, sendo este um momento crucial da História moderna da Madeira, é curioso ninguém querer conhecer, com absoluto rigor histórico, os detalhes desse passo da nossa vida colectiva.

Antes de mais considerações proponho, que a nossa Assembleia Legislativa, delibere a realização de um trabalho sério sobre a Autonomia recebida pela Constituição de 1976. Por alguém à prova de qualquer viciação.

O que propuseram os partidos a nível nacional e regional ? O que prometeram os candidatos à Assembleia Constituinte ? Os debates parlamentares. As intervenções dos deputados eleitos pela Madeira. A versão de todos os intervenientes enquanto ainda temos entre nós os seus principais protagonistas.

Acontece que a actualidade política europeia não é preenchida por desejos de autonomia por parte de regiões mas por movimentos, mais ou menos violentos, que exigem a independência dos seus territórios. Não é só em Espanha, mas também no Reino Unido, na Bélgica e em Itália, para citar os mais publicitados.

Não podemos esquecer a proliferação de inúmeros novos estados independentes surgidos da desintegração da União Soviética e da Jugoslávia, todos eles exigindo uma nacionalidade própria, que ainda não se encontra consolidada. Como ainda a divisão, em dois países, de um estado como a Checoslováquia.

Não quiseram autonomia. Separaram-se.

Há menos de trinta anos nasceram dezasseis novos países na Europa, sete dos quais já são membros plenos da União Europeia. Têm trinta anos de existência e quinze de convívio na comunidade europeia. Tudo indica que outra meia dúzia de novos estados independentes nascerão muito em breve na Europa.

Os estados não são definitivos. As nações são, se genuínas e livres.

Pode um estado ser dividido ? Claro que sim, desde que o poder central exercido sobre uma parte do seu território seja absurdo e implacável na recusa de aceitar os seus direitos iguais ou determinados por realidade específica.

Vejam o caso presente da Escócia: a presidente do governo regional exige a independência caso o Reino Unido deixe a União Europeia. Acha que o “brexit” é prejudicial para a sua região e a solução é a separação de Londres. Nas eleições de 12 de Dezembro os deputados escoceses serão maioritariamente de opção nacionalista.

Por separatismo, convicto e pacífico, estão presos em Espanha, com condenações a mais de dez anos de cadeia, vários políticos que se atreveram a realizar um referendo, não oficial e com cariz de protesto e denúncia internacional, sobre a independência da Catalunha. É a diferença de um país democrático como o Reino Unido comparado com um regime fascista e ridículo, como é o caso do espanhol, que não se governa nem deixa governar. É ver o delírio político que presidiu aos primeiros debates da campanha para as eleições de 10 de Novembro. Não haverá em Espanha, fora da Catalunha, quem saiba o que é ser livre ? Quem aceite que querer apenas ser catalão não é traição a coisa alguma ?

A Irlanda do Norte, com cada vez maior expressão católica e verdadeira razão de um “brexit” tumultuoso, deve seguir um caminho de separação distinto já que naturalmente se juntará à Irlanda europeia: uma Ilha um Estado. A Bélgica, qual centralidade europeia, está envolvida numa inacabável disputa separatista de final ainda desconhecido. Tanto pode dar dois novos estados independentes como a integração da Flandres na Holanda e da Valónia na França. Esta divergência étnica e sócio-económica arrasta-se numa incapacidade evidente de acertar um governo para a ainda chamada Bélgica.

Uma coisa parece certa: as independências não são apenas questões de nacionalismos. São, sobretudo, calculismo sobre procura por melhores condições sócio-económicas que apenas se esperam conseguir quando e se separadas do estado em que se integram.

Houve o tempo em que se acreditou, e se procurou fazer acreditar, que a autonomia era o nível de auto-determinação suficiente para uma governação própria e bem sucedida. Em trinta/quarenta anos todos perceberam que a autonomia pode encher corações de fervor autonomista, fazer decidir sobre as despesas próprias, mas não ser mais que um gestor de frustrações e insucessos.

A autonomia política, como a que temos nas regiões europeias, não resolve nada de essencial e decisivo relativamente ao longo prazo do chamado “bem estar” colectivo. Continuará a ser um contencioso com as capitais centrais dos estados contra as quais não se darão passos decisivos e corajosos. Tudo chegará tarde e em quantidade insuficiente. Ficarão pela dialética de quem nada quer conquistar. Fingirão mandar na sua própria paróquia com gritaria e rosto de insatisfação.

Como exemplo, basta apresentar o de Costa, António Costa, que sem maioria absoluta amordaça quem vence eleições há mais de quarenta anos consecutivos. É só jogo de palavras, de bastidores, de falsidades, de simulacro, de omissões e adiamentos por falta de vontade política.

A Autonomia não pode ser apenas a competência para nomear secretários e directores regionais. Tem de ser a capacidade política para tomar decisões que influenciem o futuro do modo que queremos e pudermos. Não pode ser mandar no que é menor e apenas poder exigir o que é importante e decisivo. Assim, nunca vamos chegar a sermos felizes.

De que nos serve a Autonomia ? É suficiente para o que nos propomos alcançar de objectivos ? Cada um terá a sua resposta e convicção própria. Mesmo que apenas superficialmente avaliada.

Pergunto-me que mensagem está o Bloco de Esquerda e o Francisco Louça a transmitir com o seu apoio à independência da Catalunha ? É por serem maioritariamente de esquerda ? E se fossem de direita ? É por ser em Espanha ? E se fosse em Portugal ?

Em Espanha, o agora terceiro maior partido, VOX, propôs no seu programa eleitoral acabar com as dezassete autonomias espanholas e ilegalizar os partidos separatistas. É uma ameaça futura que contrasta com a afirmação do anterior rei Juan Carlos quando disse que as autonomias eram a maior realização da democracia espanhola.

Em Lisboa nada se diz em abono das Autonomias portuguesas. É tema sobre o qual é preferível não falar, para que não se sinta publicamente quanto contrária é a classe política sentada em Lisboa. Quanto há de razão, da nossa parte, no chamado contencioso das Autonomias. É vergonha nacional o ínfimo tempo de antena que as Regiões têm em Portugal. Não há mensagem política mínima com origem na Madeira e Açores. É proibido ! É tudo sobre Portugal continental. 24 horas de notícias sobre o que se passa do Minho ao Algarve. Debates só com continentais. A excepção são os desastres naturais e outras tragédias que por cá ocorrem. Quando se começa a falar de custos e solidariedade nacional acabam as reportagens e notícias. Voltam ao futebol de grande audiência ou aos debates políticos e inconsequentes que ninguém segue.

A nossa janela tem de ser o aproveitamento da Assembleia da República como megafone da nossa existência, insatisfação colectiva e razão de protesto. Falar dos temas e assuntos pendentes não pode ser o essencial. O principal é dizermos alto que não queremos estar lá a pedir mas estar cá a decidir. A responsabilidade da governação tem de ser nossa. Apenas nossa. É bom para a Madeira e, por isso, é bom para Portugal. Porque, talvez por ingenuidade, já vamos sendo dos últimos europeus a acreditar na Autonomia.

NOTA: Será que nenhum deputado da Madeira na Assembleia da República pede ao governo e à TAP (metade pública) explicações pelos 111 milhões de euros de prejuízos até Setembro de 2019 ?