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A malta quer é ficar de molho

Um dia destes fui parar ao Hospital com um problema que me deu direito a fita laranja, que na triagem de Manchester me faria, mais coisa, menos coisa, a ser atendida nos dez minutos seguintes. Fui logo encaminhada para a sala de espera pós-triagem, onde uma idosa a fazer croché reclamava do tempo de espera. Olhei para o seu braço, vi a cor verde no pulso e reparei que era mais um dos casos que deve ter passado pelo tal Centro de Saúde que deve ser a primeira unidade a ser procurada e que, afinal, serve apenas para passar a carta para o hospital, como me apercebi várias vezes durante as sete horas que ali permaneci.

Como o meu caso era “Muito Urgente”, quando fui chamada, a mulher olhou para as pessoas que ali estavam, incluindo uma criança acompanhante a brincar com uma Barbie e à procura de uma tomada para ligar o carregador do seu telemóvel de menina de dez anos, a queixar-se que não era justo estar ali há mais de uma hora e ainda não lhe terem dado atenção.

Depois dos primeiros exames fui convidada a esperar no corredor onde se esperam resultados. De pé, claro, porque as cadeiras estavam metade ocupadas por doentes e metade ocupadas por acompanhantes desocupados. Porque só isso justifica que tantos deles, alguns até da mesma freguesia, tenham aproveitado a tarde para pôr a bilhardice em dia sobre os vizinhos e aquelas “desavergonhadas” que por lá andam com uns “gandulos” de carro a fazer peões e a levantar terra do caminho.

Raios, não vi ninguém se levantar para dar lugar a quem realmente precisava, mas confesso que até sorri por dentro quando vi uma acompanhante levar com um suporte de soro na cabeça, porque naquele emaranhado de pernas cruzadas e macas com lençóis descaídos até o chão a enfermeira lá se atrapalhou e deixou fugir o material. Não aguentei sem rir quando o pai, que ali estava com uma pneumonia e tinha acabado de ter alta ali mesmo à frente de toda a gente, porque a médica veio ao corredor por falta de espaço na sala, olhou para a filha que esfregava virogosamente a testa e disse: “queres ver que eu é que vou embora e tu ficas aqui?”

Esta norma legal que permite que toda a gente se faça acompanhar dentro das urgências é uma nota de internamento. As bactérias e os virus esperam calmamente nos corredores onde se tosse sem cuidado, onde se espirra sem cerimónias e o povo terá sempre este culto de ir para dentro dos hospitais ser vidinha alheia e querer saber das hemorroidas dos outros. Até entendo no caso de crianças e idosos. Mas naquela tarde de passeio dos alegres, vi acompanhantes aproveitarem para ir fazer uma visitinha de mais de uma hora ao internamento, já que estavam ali perto. Mais bactéria, menos vírus, a malta quer é ficar doente.