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A ilha de pianos

Tendo passado recentemente uma semana musical memorável na ilha chinesa de Gulangyu (ou Kulangsu), achei por bem partilhar aqui a minha experiência enquanto “turista cultural” nesta pequena joia, conhecida também como “Ilha de pianos” ou “Cidade de pianos”.

A ilha tem apenas 2 quilómetros quadrados e cerca de 15 mil habitantes permanentes e é situada à distância de 8 minutos com ferry da cidade de Xiamen, que tem cerca de 3.5 milhões de habitantes, o que na China representa uma cidade provincial (e apenas 28ª na lista das maiores cidades chinesas).

Depois de 1842, esta ilha, cerca de 460 km a nordeste de Hong Kong, foi uma das duas comunidades internacionais (além de Xangai), com 13 países a usufruírem de privilégios extraterritoriais e com o seu próprio governo. A arquitetura predominantemente vitoriana da parte internacional da ilha é o espelho da influência britânica nesta época. Ao longo de 3 anos, durante a 2ª Guerra, a ilha foi ocupada pelo Japão. A influência ocidental também resultou em presença inusitada da música clássica na ilha, resultando hoje em dia numa mistura interessante da cultura tradicional com a introduzida no século XIX. Não é, portanto, de estranhar o facto de, neste momento, na ilha, nestes 2 km quadrados, existirem mais de 200 pianos, o que mais que explica as suas alcunhas.

Mas isso não passava duma curiosidade, se não fosse a atração que esta ilha representa para os turistas chineses e estrangeiros. Neste sentido, os números são bastante impressionantes. Com os seus 15 mil habitantes, a ilha recebe diariamente até 65 mil turistas (quantidade recentemente limitada pelo governo), sendo que são muitos os dias quando cerca de 10 mil pessoas não conseguem os bilhetes para o ferry. Havia antigamente alturas com 70 mil visitantes por dia, o que fazia as antigas ruas estreitas quase intransitáveis. Seis anos atrás, o total anual de visitas foi cerca de 13 milhões – mais de 860 turistas por cada morador permanente! E isso tudo em dois quilómetros quadrados!

Não devo esquecer um “pormenor” importante: a ilha é, nos últimos anos, exclusivamente pedonal. É a única cidade no país com essa distinção, sem carros nem bicicletas, apenas alguns buggies elétricos para transportar os turistas. Combinando a natureza rica e verdejante, praias e rochedos pitorescos e clima subtropical influenciado por monções, com a sua vida cultural efervescente e diversificada, Gulangyu se tornou num íman turístico, distinguida em 2005 como o distrito mais belo da China, pela National Geographic chinesa, recebendo em 2007 a categoria da atração nacional 5A (a máxima) pela administração de turismo do país, e, em 2017, foi reconhecida como World Heritage Site.

As cerejas no topo deste bolo delicioso de turismo cultural são o seu museu de pianos, o único na China, e a sua sala de concertos com 580 lugares e uma acústica ímpar. Efetivamente, um sítio mais que indicado para hospedar um concurso internacional de piano, em que tive o privilégio de participar como jurado.