Artigos

A colisão de direitos

A temática da colisão entre direitos legítimos, mas que no âmbito do respectivo exercício (ou pela forma como são exercidos) são susceptíveis de se prejudicar/limitar mutuamente, é recorrente na Ciência do Direito.

O nosso Código Civil (artigo 335.º) regula este instituto da seguinte – e clara – forma:

1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.

2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.

Por outro lado, e numa perspectiva essencialmente filosófica, celebrizou-se a frase “a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro”, cujo sentido será certamente compreendido – e até aceite – por todos.

Mas a experiência demonstra que o que na teoria se afigura simples, quase sempre se complica na prática...

Na verdade, nas sociedades modernas as situações de potencial colisão de direitos multiplicam-se, tornando-se praticamente inesgotáveis. Por outro lado, vivendo nós numa sociedade cada vez mais egoísta, generalizou-se a tendência para afirmar: “eu tenho todo o direito e os outros que se lixem”.

Ora, para além de muitas outras situações menos evidentes, estão (ou estiveram) na ordem do dia dois casos típicos de colisão de direitos, designadamente, a greve dos motoristas de mercadorias perigosas e a “animação” nocturna no Porto Santo.

Quanto ao primeiro, não existem dúvidas que o direito à greve (e às suas consequências) devem ser garantidos e respeitados. No entanto, os efeitos de uma greve, especialmente quando promovida por (e contra) entidades do sector privado, devem repercutir-se, principalmente, nos empregadores dos trabalhadores grevistas, evitando-se, tanto quanto possível, a lesão de direitos e interesses de terceiros alheios ao conflito laboral em causa.

Acresce que, como regra, os direitos de personalidade e colectivos devem prevalecer sobre os direitos económicos e individuais. Ou seja, os direitos e interesses da sociedade globalmente considerada e/ou da generalidade da população, são superiores aos direitos e interesses de um conjunto circunscrito de trabalhadores e/ou dos seus sindicatos.

Assim, quando uma greve é declarada com o objectivo assumido de paralisar um país e de afectar gravemente a vida da generalidade dos cidadãos, tal greve, ainda que seja admissível, não pode deixar de ser considerada ética e juridicamente desproporcional, nem de ser limitada por todos os meios legal e razoavelmente admissíveis.

Quanto à “barulheira” no Porto Santo a análise afigura-se mais simples. Se a “ideia” da criação e funcionamento, durante uma semana ininterrupta, de uma discoteca ao ar livre numa zona sensível da Vila Baleira parece fazer pouco sentido (comprovado pelo aparente fracasso comercial da iniciativa), os termos em que a respectiva licença de ruído terá sido emitida, e, acima de tudo, exercida, parecem configurar uma violação do Regulamento Geral do Ruído.

Na verdade, para além de não serem evidentes as circunstâncias e interesses excepcionais que justificaram a emissão de uma licença com estas características, é inexplicável que – aparentemente – não tenham sido impostas e aplicadas quaisquer medidas eficazes de redução do ruído. Mais, é inconcebível que, de acordo com o relatado, tenha sido sistematicamente excedido o limite-regra de 55 decibéis, que é o imposto às actividades ruidosas temporárias promovidas pelos próprios Municípios.

Haja proporcionalidade e consciência para não fazermos aos outros aquilo que não gostamos que nos façam a nós.