Análise

Será pedir muito “políticos mais confiáveis”?

Entramos no ano novo escudados na acutilante mensagem do Presidente da República, repleta de recados aos políticos. Mas também feita de exigências aos eleitores, sem os quais não há eleitos, nem democracia.

Que Marcelo Rebelo de Sousa tenha pedido mais “credibilidade, transparência e verdade às nossas instituições políticas” e políticos “mais confiáveis” é normal. Sabe do que fala e do que lhe dizem entre selfies e afectos. Foram inúmeros os comportamentos que descredibilizaram a classe que este ano vai a votos também na Madeira, mas que em 2018 proporcionou escândalos, desde as moradas falsas às presenças-fantasma na Assembleia da República, dos currículos “criativos” aos vídeos caseiros, da embriaguez à fuga com tiros, dos duplos subsídios de viagem às incompatibilidades, dos “lapsos” de ministros do governo nas declarações ao Tribunal Constitucional às cumplicidades no roubo de armas.

Que tenha introduzido no discurso político o apelo colectivo ao voto consciente é bem mais útil. Até porque depois das contestações, greves e reivindicações nem sempre há o protesto decisivo. Mas acima de tudo porque quer que haja futuro sem que alguns fiquem com mais poder do que aquele que devem ter.

No caderno de encargos do eleitor inscreve três importantes apelos: debate “com liberdade”, sem que para tal seja necessária ofender e humilhar, instigar ao ódio e criar “feridas desnecessárias e complicadas de sarar”; respeito, mesmo quando perante direitos e exercício da cidadania activa, por aqueles que discordam e os que podem sofrer as consequências dos meios de luta; e correcta avaliação de capacidades e méritos no caso de se assumirem como candidatos.

Marcelo vai assim à origem de muitos males, assumindo um compromisso para que “nenhum dos contributos seja desperdiçado, nenhuma das vozes seja ignorada, nenhum dos gestos seja perdido”. E se o faz é porque nota nuns e noutros “arrogâncias intoleráveis, promessas impossíveis, apelos sem realismo, radicalismos temerários, riscos indesejáveis”.

Mais do que recados, o Presidente da República deixou aos políticos uma manual de instruções, tão recomendável como necessário em ano de elaboração de programas de governo. Exigiu-lhes “valores, princípios e saber”, o que não sendo de todo impossível é uma missão que carece de berço. Pediu-lhes observância pela “dignidade de todas as pessoas, a começar nas mais frágeis, excluídas e ignoradas”, ou seja, uma clara inversão de prioridades, pois quem caça votos tende a bajular ricos e a conviver em permanência com os abastados. Recomendou “justiça social, combate à pobreza, correcção das desigualdades”, metas que acabam por ser mais trunfos de campanha do que preocupação permanente.

Mais do que pedir votos aos portugueses, Marcelo Rebelo de Sousa apontou para o elementar, para “bom senso”, “ambição” e “coragem” numa tarefa que é colectiva num Portugal que precisa de todos e deve “olhar mais longe e mais fundo”.

Será pedir muito? O Presidente da República acha que não. Nem poderia ser. Afinal somos nós que criamos e escolhemos os que mandam e que desejamos sejam bem diferentes de muitos daqueles que hoje nos envergonham.

Políticos confiáveis são todos os que assumem em cada momento as responsabilidades que lhes cabem e não os que passam a vida a a arranjar desculpas ou a atribuir culpas a terceiros sempre que há desaires.

Políticos confiáveis são os que têm memória e verticalidade, rumo e competência.

Políticos confiáveis são os que têm capacidade de ler o mundo e pensar nos outros, a par do poder de antecipação, e a reacção inteligente, imprevisível porque visionária, edificante porque inclusiva.

Políticos confiáveis são aqueles que nos dão vida e saúde e não os que nos matam com negligência e má gestão.

Políticos confiáveis não são de todo os que têm culpas muito específicas e que pouco fazem para resolver o que interessa. O que se passa na saúde regional é vergonhoso. Sete mil desesperam por um exame ao coração sem saber se o órgão vital aguenta tamanho desleixo. Muitos dos que estão na lista só receberão a carta de chamada quando já estiverem mortos, quase de certeza devido a outras causas clínicas, caso o processo apareça, porventura no dia em que o governante com a tutela da saúde de então convidará a comunicação social para assistir durante 15 segundos a um vistoso transplante com a mais moderna tecnologia. Sete horas para ser atendidos estiveram alguns doentes que foram ao serviço de Urgência do Hospital Dr. Nélio Mendonça. Um desrespeito agravado com a alucinação do SESARAM, que depois de recusar dar explicações públicas, por nada ter agendado com jornalistas, confirmou uma afluência excepcional embora expectável. Bem mais do que sete foram os profissionais do SESARAM que se vacinaram contra o sarampo. Estará mesmo “tudo normal” na Saúde?