Análise

Os filhos da mãe

Neste dia em que, com a maior das ternuras revivemos os gestos e a entrega desmedida de quem nos pôs no mundo, nos deu berço e educação, amor e pão, oportunidade e irreverência não há palco para aqueles que habitualmente moram neste canto. A menos que se revejam nesta hipotética utopia e que, enquanto pétalas dessas flores mais vistosas, se empenhem em construir a esperança, em forma de levada e não de muro.

Das mães que admiramos, nem sempre com tempo para cortejos sociais ou jeito para modas e poses, mas eternamente comprometidas com a existência colectiva, sobra a exigência generosa em nome de algo melhor, de gente feliz e da festa quase permanente. Pode parecer lamechice, mas sem referências não há rumo e realização, antes baleias azuis, alienação e morte.

Incomoda-nos o impasse ou vazio, quais destinos forçados, tal como a imensa ingratidão humana sempre que se ouve um impensado, berrado e depreciativo “filho da mãe”. Até porque filho da mãe que se preze é aquele que honra o melhor dos ensinamentos, não se rende ao preconceito, nem se vende a cada instante, se é que tem carácter, sabe ouvir ou calar e é pródigo em vontade própria.

Os filhos da mãe não voltam sistematicamente atrás quando desafiados a desempenhar missões que exigem convicção e determinação. Não negam solidariedade a quem precisa. Não se submetem às ancestrais conveniências. Os filhos da mãe dignificam valores. Estudam para saber, compram por necessidade, trabalham para ter vida digna.

Os filhos da mãe deviam fazer-se ouvir hoje e sempre como tal. Quando os guarda-redes batem pontapés de baliza e sempre que os árbitros erram, quando nos fazem a folha e nos tiram do sério, quando a humilhação sangra e a ingratidão impera. Cabe-nos fazer a diferença num mundo preso ao ridículo, entregue à vingança e cúmplice do ódio. Pedir em vez de roubar, convocar em vez de ostracizar, agir em vez de reagir, exercer em vez de temer são predicados de um guião possível.

Obrigado mães das nossas vidas. Onde quer que estejam. Sem a vossa paixão partilhada não tínhamos a ousadia de colocar na jarra quem vos esquece, quem vos recusa carinho, quem vos falta ao respeito e vos arranca o coração. Sois “a voz de sempre que chama...”.