Análise

Os excluídos e a liberdade de informar

1. Quando o Governo de Pedro Passos Coelho decidiu lançar um sorteio de automóveis para premiar os contribuintes que pedissem factura, um conjunto de vozes levantou-se para criticar a medida, alegando que os actos de cidadania não são sorteáveis. A verdade é que os portugueses passaram a exigir – os números atestam isso mesmo – muito mais facturas, até ao exagero de pedirem o ‘papelinho’ pela toma de uma bica. A ideia era combater a fraude e a evasão fiscal, fazendo de todos os cidadãos um ‘fiscal’ da Autoridade Tributária perante os prestadores de serviços, obrigando-os a registar todas as operações. A medida, controversa e que dividiu os especialistas, fez carreira e hoje ninguém a contesta, apesar de o Fisco já não oferecer carros mas sim certificados de aforro. Os deveres de cidadania precisam, por vezes, de estímulo, para serem cumpridos. É a verdade.

Viver em democracia pressupõe um conjunto de imperativos. Votar é um deles. O que temos assistido a cada acto eleitoral é a consolidação do desinteresse generalizado da população. Não faltando partidos para todos os gostos e feitios, existindo propostas para todas as áreas e mais algumas, é estranho haver uma pessoa que não se reveja em rigorosamente nada. Os números da abstenção dizem que sim. Nas eleições para o Parlamento Europeu quase 70% decidiu não comparecer. Há uma geração que se auto-excluiu de participar. A geração pós-25 de Abril, que não precisou de lutar para conquistar o direito democrático.

O presidente do PS-Açores, Vasco Cordeiro, lançou recentemente o desafio de ser criado um “contrato de cidadania” para despertar a participação cívica. O Estado daria um benefício aos que fossem votar. A ideia, inédita, causa perplexidade, mas é útil para que o debate em torno do desinteresse eleitoral progrida. Devemos debater tudo: dos incentivos às punições. Em países como a Bélgica, o Luxemburgo e o Brasil o voto é obrigatório.

Que direito tem uma pessoa de se candidatar a uma linha de apoio comunitária se não votar pela Europa? O mesmo se aplica a nível nacional. Que legitimidade tem um indivíduo para criticar esta ou aquela medida se se abstém de contribuir para a eleição de um parlamento, de um executivo municipal? O cidadão que não vota não acredita na democracia e abre porta à implantação de um outro regime. Anti-democrático, que decida por ele.

A par da discussão é determinante que os actuais actores políticos e partidários analisem as causas desta galopante desistência do cumprimento de um dever. O problema, na maior parte das vezes, começa dentro de portas, na escolha dos que se vão apresentar a escrutínio e do comportamento adoptado por muitos eleitos. Basta ver o que vai por esse país fora a nível da corrupção que envolve muitos políticos. Não podemos ficar parados.

2. Um dos expedientes utilizados abundantemente por muitos políticos é culpabilizar os órgãos de comunicação social pelas suas falhas, faltas, omissões, deturpações e inabilidade que demonstram no desempenho de funções públicas. Essa gente raramente reconhece as suas faltas, nem nunca pede desculpa pelos erros, porque humildade democrática é conceito que não lhes assiste. A tentação pelo controlo dos media ‘tem barbas’. É muito mais fácil criticar, apoucar e destratar, do que reconhecer o erro. Nada a que não estejamos habituados. No meio da controvérsia há uma certeza: esses políticos passam e os órgãos de informação permanecem. A prerrogativa de prestar contas é, por vezes, uma grande maçada.

Como sublinhou o Presidente da República “a Liberdade de Imprensa tem de ser exercida e defendida todos os dias, bem como a sua independência face aos poderes político e económico”. Seria bom que alguns políticos da praça intuíssem estas palavras, em vez de perderem tempo com minudências dispensáveis, que os ridicularizam.

Apesar de o ano ser farto em eleições há regras que não podem ser quebradas. Por muito que custe a alguns o trabalho do jornalista é escrutinar, filtrar, questionar e não pactuar com ‘jogos’ nem com situações dúbias.