Análise

O nosso entretenimento trágico

Estamos no primeiro dia de Julho, mês que se segue àquele em que os madeirenses têm por principal entretenimento queixarem-se da TAP. Quem não se recorda da tirada do administrador não executivo da companhia, Diogo Lacerda Machado, feita ao DIÁRIO em Macau, no ano passado?

Pois é, passada uma série de meses confirma-se a sanha. De facto os madeirenses têm motivos de sobra para protestarem e em voz alta. E têm-no feito. Que o diga a Defesa do Consumidor que viu este ano o número de queixas disparar. E de que se queixam os contribuintes madeirenses? Do péssimo serviço prestado pela companhia de bandeira, detida pelo Estado, que cancela a torto e direito voos com saídas do Porto e de Lisboa, que opera sem o número de tripulantes que permita servir um simples copo de água a bordo, que raramente cumpre com o horário e que pratica tarifas desproporcionais ao que oferece ao passageiro. Nunca foi tão complicado entrar e sair da ilha, nem se comprometer com qualquer horário. Para além dos fenómenos atmosféricos que não controlamos temos de levar com a imprevisibilidade de uma empresa que privilegia as operações com o Brasil, África, América do Norte e Europa. Só depois aparecem a ilha, autónoma faz hoje 42 anos. A dependência da TAP não é de agora e, infelizmente, só conseguiu ser minimizada, ao de leve, por outras companhias que arriscaram o mercado regional (easyJet e Transavia). Só este ano 67 voos foram cancelados de e para o Aeroporto Cristiano Ronaldo, por “motivos operacionais”, seja lá o que isso for. Deslocar-se para o aeroporto sem consultar a situação do voo no Flightradar é um exercício arriscado que pode implicar horas de espera ou mesmo o regresso à origem. Alternativas ao caos? O hoteleiro António Trindade lançou uma sugestão pertinente e fracturante, que supere o esgotadíssimo aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa. Recomenda o experiente gestor que nos devemos virar para Barcelona e fazer aí a nossa ‘placa giratória’, o nosso hub. A ideia não é tão descabida como pode parecer à primeira e pode ser, de facto, uma opção séria à capital portuguesa. Se a solução para o mais movimentado aeroporto do país não será encontrada em breve, não podemos ficar reféns da decisão política que desbloqueie uma realidade que só vai piorar no futuro. E se Portugal não consegue assegurar os meios e Espanha sim, porque não? Está na hora de todos os agentes da região discutirem, com mais razão e menos emoção, esta questão séria e determinante para todos nós.

Pedir desculpa não serve para minimizar os transtornos causados por um cancelamento de um voo. Para mais os passageiros ficam completamente entregues à sua sorte, sejam eles idosos ou crianças. A TAP não garante estadia, mesmo existindo hotéis com disponibilidade, como já aconteceu em Lisboa e no Porto. Quem não dispuser de dinheiro ou não souber se orientar naquelas cidades fica completamente abandonado, sobrando-lhe, como alternativa, pernoitar nas desconfortáveis instalações aeroportuárias. As desculpas não podem ser aceites quando a prioridade dos cancelamentos vão para as regiões autónomas, em detrimento de outros destinos. O princípio da continuidade territorial passa completamente ao lado do posicionamento da companhia, que visa, em primeiro lugar, o lucro. E é bom não esquecer isso. O resto é mesmo conversa aos ouvidos da TAP Portugal.