Análise

Faltou discutir política

Num País quase sempre em eleições, falta tempo para discutir as grandes questões da política estruturante e as reformas que importa fazer, antes que a democracia definhe ou se transforme num perigoso antro de extremistas.

A previsível elevada taxa de abstenção, retratada nas reportagens repletas de aversão dos cidadãos ao poder suspeito e de queixas legítimas aos políticos, merecia uma abordagem mais séria e menos demagógica, mais inteligente e menos deprimente. Mas na campanha para as Europeias deste domingo foi o que se viu, muito no registo “nós queremos uma Europa assim ou assado”, quando toda a gente sabe que o Parlamento Europeu é um órgão com poderes limitados e que Comissão Europeia é quem mais ordena e não depende directamente desta eleição. Talvez importe partilhar o que escreveu António Barreto, no ‘Público’: “Alguém sensato acredita que um Parlamento com 750 deputados, vindos de 28 países e falando 24 línguas oficiais seja capaz de defender os direitos dos cidadãos? Alguém se revê num Parlamento em que os deputados não são reconhecidos pelos seus eleitores, não representam pessoas e não têm meios para cuidar das liberdades e dos direitos dos europeus?”.

Nas últimas semanas, muito raramente houve preocupação em discutir seriamente o futuro, em sugerir alterações válidas que favoreçam a participação dos inscritos e em questionar um sem números de teimosias institucionalizadas que não fazem sentido.

A quem serve manter o dia das eleições num domingo, reservado ao descanso, mas também já dia de trabalho em muitas profissões e serviços, quando noutros países da União Europeia houve quem votasse quinta e sexta-feira? Para que serve o anacrónico dia de reflexão se hoje, a qualquer hora e local, há mil formas subtis de sensibilizar quem vai votar? O formato de campanha ainda é eficaz ou mera perda de tempo e dinheiro? A obsessão pela limitação da actuação política, com proibições de publicidade institucional por parte dos órgãos do Estado e da Administração Pública de actos, programas, obras ou serviços, deve-se “aos deveres de neutralidade e imparcialidade a que as entidades públicas se encontram sujeitas”, julgamos que durante todo o tempo, ou a outros interesses instalados? A cobertura oficial a queixas e queixinhas sem nexo - nestas Europeias, e até 16 de Maio, foram registadas 254 participações, 55 das quais feitas por cidadãos, sobretudo com questões relativas à publicidade institucional, mas também ao tratamento jornalístico das candidaturas, como se a lei não tivesse mudado - obrigando a defesas imediatas é um teste à paciência de que tem tanto de útil para fazer? Os cadernos eleitorais estão devidamente limpos, quando temos mais eleitores que residentes, cerca de 10,7 milhões de pessoas estão recenseadas para votar, 257.491 dos quais na Região?... E porque é que a tecnologia que nos enche de orgulho ainda não foi colocada ao serviço da democracia participativa?

É certo que houve inovações, uma das quais com efeitos imprevisíveis no sufrágio de hoje, já que a eliminação do cartão de eleitor implica uma ordenação dos cadernos eleitorais por ordem alfabética que pode ditar a alteração dos locais de voto. Por isso, antes de andar às voltas, convém confirmar qual assembleia de voto e a mesa, por SMS, no portal de recenseamento ou na sua junta de freguesia. Os eleitores portadores de deficiência visual passaram a poder votar sozinhos, sem necessidade de acompanhamento, devido à disponibilização de uma matriz de voto em braille. E há ainda o teste ao voto electrónico presencial, através de 50 mesas de voto electrónico em 23 freguesias dos 14 concelhos de Évora, que vão funcionar em simultâneo com as mesas de voto tradicional. É um bom princípio mas “poucochinho”. Até porque o resto conta mais.

O mau hábito de desconsiderar quem vota, como se os eleitores não passassem de um bando de alienados, sem princípios nem certezas, logo, facilmente manipuláveis, tem um preço que envergonha os verdadeiros democratas.