Análise

Era o que faltava!

O Marítimo decidiu proibir adereços sportinguistas nas bancadas reservadas aos associados verde-rubros. O clube madeirense alega “questões de segurança”. Ou seja, assume que os seus sócios convivem mal com os adversários e preferem tê-los à distância, uma vez trajados, porque por perto podem servir de saco de boxe. Ou então parte do princípio que um cachecol ou uma camisola, um lenço ou uma bandeira adversária são bem mais explosivos do que palavrões ofensivos. Ridículo.

Conheço muito maritimista que não se revê neste repugnante separatismo terceiro mundista, que para além de atentatório da urbanidade e da boa educação dos anfitriões não fundamentalistas, insulta a inteligência de um povo ordeiro e conhecido em todo o mundo pela arte de bem receber.

Que o Marítimo queira impedir focos de tensão simultâneos em diversas zonas dos Barreiros, impedindo a proliferação de grupos organizados de alegados malfeitores ou potenciais delinquentes, é um direito que lhe assiste. Agora que proíba uma criança que já escolheu ser sportinguista de ir trajada a rigor pela mão de um pai que é maritimista ou separar um casal em que cada um usa a sua camisola, é de forma fanática dar cabo daquilo que é elementar no futebol espectáculo, a autenticidade do adepto e a festa da diversidade.

A esta hora há sportinguistas que não podem cantar “só eu sei porque não fico em casa” porque ao refúgio do lar estão obrigados, a menos que consigam estar junto de claques organizadas. A esta hora há amigos que não podem ver o jogo juntos só porque um dirigente ou um clube, um decisor ou uma Liga acha inseguro haver um adereço de outra cor entre a gente da casa. Onde fica o ‘respect’ que os clubes imprimem nas camisolas e a massa cinzenta que deviam ter no cérebro? Que se lixem os regulamentos, se é que ditam multas a este nível. Acima da burocracia está o bom senso. E sobretudo o culto da cidadania responsável

Não é desta forma que se educam as gentes para a tolerância, para o ‘fair play’ e para a sã convivência desportiva. Assim, só matam a beleza do futebol que junta ricos e pobres, iletrados e cultos, que une o que a vida por vezes divide, que junta emoção e capacidade análise, paixão e negócio.

Qualquer dia tratam-nos como selvagens e ditam que tipo roupa devemos levar para o estádio, que cânticos podemos entoar e que gestos estamos obrigados a evitar. Depois dirão que se formos de preto estaremos a fazer provocação fúnebre ou a deitar mau olhado. E ainda terão a lata de insinuar que há companhias a evitar e olhares pouco recomendados pelo que recomendam óculos escuros.

Na vida social excessivamente politizada é parecido. Se tomas café com alguém de esquerda és um perigoso comunista. Se falas com um socialista acabaste de ser comprado. Se dás notícias do PSD é que tens tacho à espera.

A malta sempre disponível para a etiquetagem depreciativa que explique porque é que temos de ser do mesmo clube, do mesmo partido, da mesma religião e abominar compulsivamente todos os outros? Porque é que os gostos terão que ser semelhantes? E porque é que não admitimos que a grande mais valia da sociedade é sermos diferentes?

A ilha vive neste jogo viciado, por mais transparente e autêntico que sejas. Pensam eles que o que realmente és de pouco vale perante aquilo que alguns querem que tu sejas ou face às expectativas que criam sobre ti. Que o que realmente és facilmente é reduzido àquilo que os boatos impingem, para que se crie uma percepção social a teu respeito bem distinta da tua conduta existencial. Era o que faltava querem expropriar a personalidade e a essência de cada um.