Análise

As obsessões da Madeira

Na Região das ideias fixas falta mundo. É por isso que a futilidade abunda

Quem tem mundo aprecia pormenores distintivos dos lugares evoluídos. O respeito pela individualidade, o debate alargado das grandes opções, o incentivo à iniciativa privada, a abundância da oferta cultural, a leitura em transportes públicos, o trabalho em equipa, a celeridade das obras à conta da boa planificação, o culto do silêncio que ajuda a pensar ou o profissionalismo em vez de bajulação deviam fazer escola. Será pedir muito, mesmo que por cá haja sempre um ou outro protagonista da vida pública que quando é incumbido de decidir pelos outros, insista em fazer prevalecer obsessões doentias que, para além de não terem sido estudadas, carecem de sustentabilidade?

Defeitos todos têm. Não emendá-los é que é preocupante. As obsessões mais ou menos colectivas ressurgiram por estes dias em diversas frentes:

Procurar incessantemente o inimigo externo.

Mesmo sabendo que o expediente cria estigmas e isola-nos, há uma insistência irracional na procura de um contencioso que tem penalizado de forma sucessiva os madeirenses. Atribuir culpas a terceiros sem antes assumir responsabilidades intransmissíveis perpetua problemas mas não cria soluções.

Empurrar para datas convenientes o que tem de ser feito por iniciativa própria.

A Madeira quer mais e melhor Autonomia mas só tem o Orçamento pronto em Fevereiro pois, segundo o vice-presidente do Governo Regional, importa aguardar pela proposta do Orçamento do Estado. Ainda acreditam em milagres ou esperam perdão?

Julgar haver como que um direito constitucional a ter alguém da ilha no Governo da República.

A reivindicação é assumida da esquerda à direita. Muitos acham que devia haver madeirenses ministros e secretários de Estado. Por decreto, ignorando o mérito? Há gente com valor que podia lá estar e e se estivesse teria contra os invejosos do costume, mas se não foi desta importa trabalhar afincadamente para que essa ambição resulte no futuro em escolhas óbvias e naturais. Foi assim também com Cristiano Ronaldo, Tolentino Mendonça, Dionísio Pestana, Nini Andrade Silva, entre outros, que não estão no topo mundo apenas por serem ilhéus.

Insistir no sonho americano quando nos Açores já é pesadelo.

No arquipélago vizinho o turismo volta a estar preso por arames com a saída da Delta. A operação da transportadora garantia 1.400 passageiros por semana e cerca de 22.400 turistas ou seja 90 mil dormidas. A promoção do destino foi altamente questionada mesmo que o governo local não goste. Coube à Câmara do Comércio e Indústria de Ponta Delgada lamentar a “perda gigantesca para as aspirações” do turismo dos Açores, que “retrocede significativamente, ao perder esta oportunidade, na sua caminhada no sentido da requalificação para um patamar mais elevado de valor acrescentado para o sector”.

Por cá, o mercado americano é visto como tábua de salvação das muitas camas que importa ocupar. Há ordens expressas e conferências encomendadas para que assim seja. De certeza que o reforço de 3 milhões de euros nas verbas para a promoção do destino, montante exigido pelos hoteleiros madeirenses, não é para ser gasto em aventuras e caprichos ou em campanhas que justificam viagens do governantes mas que não trazem turistas.

Mandar fazer não importa como e depois logo se vê.

Há permissividade e laxismo a mais nesta ilha que prefere adaptar estatutos do que honrar a lei quando as escolhas apressadas para determinados cargos se revelam proibitivas ou que não fiscaliza o que autoriza. Soube-se que o Tribunal Administrativo e Fiscal entende que a construção do centro comercial Fórum Madeira e do complexo habitacional afecto não cumpriram com os limites fixados no Plano Director Municipal. O licenciamento da infra-estrutura pode ser considerado nulo. Quem vai pagar a conta?

A estas junta-se mania que a Madeira é sempre um caso particular, de excepção, de dificuldades únicas e de ‘offshore’ político para justificar a apetência pelo golpe, o ambiente persecutório, a cumplicidade com as máfias instaladas embora encobertas e a incompetência gritante. A prova está num governo que encaixou gente que pouco ou nada percebe sobre aquilo que tenciona liderar.