Análise

Ao nível do lixo

Em menos de um ano, a autoestima lusa cresceu para níveis do tempo das descobertas. Portugal foi campeão europeu de futebol. António Guterres foi escolhido para secretário-geral da ONU. O Papa Francisco veio em peregrinação e deixou uma multidão em silêncio. A Madonna mudou-se para Lisboa e pôs o filho a treinar no Benfica do tetra. ‘Amar pelos dois’ arrebatou o júri e o público na Eurovisão. O PIB cresceu 2,8%. O destino saiu em 16 mil notícias em todo o mundo e o turismo bateu recordes...

Só que o esplendor nacional tem manga curta. A Moody’s manteve o rating no patamar de ‘lixo’, ao mesmo nível de uma campanha eleitoral autárquica inútil, centrada em sexismos, caprichos, erros de casting e divisionismos. A prestação de serviços é questionável. Os ataques informáticos assustam. O regresso dos emigrantes em agonia preocupa. A obesidade mata. A falta de médicos de família ou de cuidados de saúde envergonha. A corrupção humilha quem cumpre. A polícia tem alvos predilectos. A justiça arquiva, mesmo o que “não merece credibilidade”, mas manda investigar pontas soltas, dando assim uma no cravo e outra na ferradura.

Há um outro País não anestesiado, menos cor-de-rosa e publicitado. De fraca notoriedade e onde escasseia o talento permanente, o incentivo ao mérito e a vertigem pela qualidade.

Há um País de violência, doméstica ou tribal. Das claques do ódio às redes incendiárias. Os factos e os números mexem com este outrora cantinho do céu. Quatro homicídios em cinco meses dão que pensar depois de uma mulher ter sido morta, em Machico, por causa de um pedido de indemnização no valor de 600 euros que um sobrinho vingou esfaquando até à mote. Um facto que, a juntar aos registos do Hospital, que dão conta de 647 notificações por agressão, obriga a reflexão urgente. Mas não só. Para quando medidas eficazes no combate à crescente tendência para os ajustes de contas, a que a duplicação da produção da aguardente e de outros líquidos e pós não são alheios? Não será este também um reflexo da instabilidade emocional colectiva e das lacunas no tratamento das doenças mentais?

O País da notícias canta baixinho o desemprego que regride ou aumenta, conforme a leitura conveniente. Mas também a escravidão, com trabalhadores que ganham três euros, brutos, por hora, dormem em contentores e não se queixam. Ou ainda a fraude, como a do casal tinha 1,7 milhões de euros no banco e recebia RSI.

Neste País em que o fugitivo de Caxias envia “saudações aos bananas da PJ” e o jornalixo marginal viola sem escrúpulos e toma a parte como um todo, se lhe pedirem resgate finja não alinhar em batotas.