Análise

45 anos depois de Abril

A relação entre a política e os negócios vem de longe. A mistura entre as duas tem sido uma constante e, por norma, é explosiva. Há políticos que se ‘servem’ das empresas e empresários de políticos. São faces diferentes da mesma moeda. Exemplos não faltam. A prática tem raízes no sistema democrático, que comemorou na passada quinta-feira, 45 anos de existência. A convivência entre as duas áreas devia ser, num mundo ideal, salutar e transparente, a bem do crescimento económico do país. Mas sabemos que em muitos casos não o é. Quem anda na vida pública tem de seguir uma linha com cuidados acrescidos por estar a gerir, temporariamente, aquilo que é de todos, proveniente dos impostos pagos por todos. É, de facto, muito difícil ser-se político nos dias de hoje, num tempo em que a Internet debita informação sobre tudo e mais alguma coisa à velocidade do som. Quem não tiver um ‘registo’ limpo que pense duas vezes. Um amigo calejado sob as luzes da ribalta já me disse por diversas vezes que é muito difícil pautar a vida por normas éticas à prova de bala e não ter ‘telhados de vidro’, que sirvam de arma de arremesso para os outros. Os servidores públicos sabem que a factura a pagar pelo desempenho de determinados cargos obriga a rigor redobrado e ao cumprimento de normas éticas (palavra aborrecida, esta) irrepreensíveis.

Não pode ser gestor público quem não prescinda de hábitos que contribuam para gerar uma suspeita de falta de transparência do cargo que ocupa. O DIÁRIO publicou, na edição de 15 de Abril, a listagem de contratos públicos adjudicados no mês de Março, na Região. Entre os dez maiores surge uma adjudicação da Vice-presidência, no montante de 600 mil euros, a uma empresa tecnológica da Madeira, que apoia a equipa de rali onde o vice-presidente, Pedro Calado, é co-piloto. Independentemente dos méritos da empresa, que os tem, inegavelmente, registe-se, esta coincidência não é saudável para a democracia. Todos sabemos que Calado anda na lide dos carros há muitos anos e que tem direito a praticar o seu hobby. Mas não deveria, na qualidade de vice-presidente do Governo, assinar uma adjudicação com uma das empresas que apoia a sua equipa de rali. É inconciliável e introduz um precedente muito questionável.

Em causa não está a qualidade técnica e a aptidão do governante, mas sim a prática de um acto pouco cristalino, que mistura política com negócios.

Na República o caso ‘Galpgate’ fez rolar cabeças no Governo. Três secretários de Estado e um assessor do primeiro-ministro terão aceitado viagens de avião, pagas pela empresa, para assistirem aos jogos do Euro 2016, onde Portugal participava.

Alguém aceitaria, por hipótese, que o ministro das Finanças fosse apoiado ou patrocinado por uma empresa que recebesse dinheiro do Estado? Julgo que não, mesmo que Mário Centeno apresentasse excelentes resultados à frente da pasta.

Há poucos dias e sobre outro tema recorrente da actualidade regional, a saúde, um dirigente partidário lamentava que não existisse por cá o hábito de a sociedade civil mobilizar-se, pedir contas, reagir. Provavelmente um dos nossos ‘males’ é esse. Que transmite a ideia de distanciamento e alheamento face às questões determinantes para a Região.

A política impõe sacrifícios, mas ninguém está lá por obrigação, por coacção. A vida pública tem de ser transparente e também parecer. Não podem existir zonas cinzentas, que suscitem questões dúbias. Ou desejamos ser sempre conotados como terra de excepção onde todos comentam mas ninguém reage?