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Raparigas grávidas e mães jovens impedidas de frequentar escolas em África

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Dezenas de milhares de raparigas grávidas e mães adolescentes estão impedidas ou são desencorajadas de frequentar a escola em vários países de África, denunciou hoje, num relatório, a organização internacional Human Rights Watch (HRW).

No documento, destinado a assinalar o Dia da Criança Africana, que se celebra a 16 de junho, a organização de defesa e promoção dos direitos humanos apela à necessidade de os governos do continente garantirem o direito à educação de todos os jovens, sem qualquer discriminação, dando como piores exemplos os existentes na Guiné Equatorial, Serra Leoa e Tanzânia.

Intitulado “Não Se Deixa Nenhuma Rapariga para Trás em África: A Discriminação na Educação contra as Alunas Grávidas e as Mães Adolescentes”, o relatório da HRW é fruto de uma “intensa investigação” da organização sobre a situação das jovens no continente africano.

Os critérios passaram por uma análise exaustiva das leis de cada país, das políticas e das práticas que bloqueiam ou apoiam o acesso das “jovens grávidas” e das “mães adolescentes” no direito ao ensino primário e secundário nos 55 Estados-membros da União Africana (UA).

África tem um dos maiores índices de gravidezes na adolescência do mundo, pelo que os governos do continente devem, “com urgência”, aprovar legislação e políticas para garantir que as escolas permitam e apoiem as raparigas grávidas para que se mantenham nos estabelecimentos escolares, advoga a HRW.

Outra ideia defendida no relatório é a aprovação de medidas que incentivem as jovens mães a regressar à escola depois de parirem.

“Em muitos países africanos, as raparigas grávidas e as mães adolescentes são forçadas a abandonar a escola, ficando privadas do direito à educação”, salientou Elin Martinez, investigador dos direitos das crianças na HRW.

“Apesar de se ter registado algum progresso, os países da União Africana necessitam de trabalhar em conjunto para garantir que não seja negado a nenhuma rapariga o direito à educação por causa de estar grávida”, acrescentou.

Nos últimos anos, vários governos africanos mostraram grandes progressos na inserção no ensino e no direito das jovens grávidas e mães adolescentes de frequentarem a escola, mas a Guiné Equatorial, Serra Leoa e Tanzânia ainda proíbem as raparigas nessas circunstâncias de acederem aos estabelecimentos escolares públicos.

No relatório, a HRW lembra as declarações do chefe de Estado da Tanzânia, John Magufuli, proferidas a 22 de junho do ano passado: “Enquanto for Presidente, nenhuma estudante grávida terá autorização para frequentar a escola”.

A decisão levou à detenção de dezenas de raparigas tanzanianas nessas circunstâncias.

Em maio deste ano, o Tribunal de Justiça da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) deferiu uma queixa contra o Governo da Serra Leoa, por Freetown recusar o acesso de jovens grávidas às escolas públicas.

Segundo o relatório, muitos países africanos não têm políticas de incentivo ao regresso à escola depois de as jovens darem à luz, enquanto outros com elevadas taxas de adolescentes grávidas, como Angola e Burkina Faso, continuam sem legislação de apoio às raparigas nestas circunstâncias quando estas as frequentam.

Nalguns países, denuncia o HRW, as direções das escolas recorrem a meios “indignos” para identificar as raparigas grávidas, que incluem testes forçados de gravidez, estigmatizando-as também, através de uma humilhação pública ou da expulsão pura e simples do estabelecimento escolar.

Para o HRW, os testes de gravidez sem autorização da visada violam o direito à privacidade e à dignidade, havendo casos de raparigas que, temendo a humilhação, abandonam a escola ou acabam por abortar em condições precárias, pondo em risco a sua própria vida.

Nos países do Norte de África, acrescenta-se no documento, faltam políticas relacionadas com o tratamento dado às jovens grávidas nas escolas, havendo casos em que são impostas medidas de exclusão e castigos pesados às raparigas e mulheres que têm relações sexuais fora do casamento.

Por outro lado, as mães adolescentes, que são frequentemente acusadas de trazer a desonra para as suas comunidades, são ridicularizadas, isoladas e até detidas, não havendo qualquer perspetiva de permanecer ou de frequentar a escola.

No entanto, segundo a HRW, nem tudo é mau no continente africano, onde se registaram progressos em 26 dos 55 países, com a elaboração de legislação e a criação de políticas de proteção à educação das jovens grávidas e das mães adolescentes, com a organização a destacar Cabo Verde, Benim e Senegal, que revogaram as políticas repressivas e punitivas, garantindo e protegendo o acesso ao ensino.

Para a HRW, todos os países africanos têm de aprovar medidas para melhorar a situação das jovens mães e das adolescentes grávidas, pelo que cabe também aos governos adotar medidas para combater as causas das gravidezes precoces e indesejadas, garantindo acesso aos serviços de saúde, a consultas de planeamento familiar, a métodos contracetivos e à realização de abortos legais e em segurança.

“Punir as jovens grávidas retirando-as da escola não vai resolver a gravidez entre as adolescentes. Muitos países africanos vão falhar a promessa de não deixar nenhuma criança para trás se continuarem a excluir as raparigas grávidas. Todo o continente irá beneficiar se todas foram autorizadas a regressar à escola”, concluiu Martinez.