Pacto global para a migração expõe divisões na União Europeia
O pacto global para a migração expôs a divisão no seio da União Europeia em torno do fenómeno das migrações, com um quarto dos Estados-membros a recusarem subscrever o documento promovido pelas Nações Unidas.
Apesar de a ideia do pacto ter nascido na sequência da crise migratória na Europa em 2015, de a União Europeia ter estado envolvida nas negociações para a formulação do documento, e de este não ter carácter vinculativo, sete Estados-membros da União já anunciaram que não marcarão presença na conferência intergovernamental da próxima segunda-feira em Marraquexe para a adopção do pacto, entre os quais a Áustria, que preside actualmente ao Conselho da UE.
Além da Áustria, também Hungria, Bulgária, Polónia, República Checa, Itália e Eslováquia decidiram ficar de fora do primeiro Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular (GCM, na sigla em inglês), juntando-se assim a países como os Estados Unidos, Israel e Austrália.
Mesmo entre Estados-membros da UE que vão ratificar o pacto em Marraquexe, a questão foi tudo menos pacífica.
Na Bélgica, por exemplo, as divergências entre os partidos da coligação governamental fizeram recear a queda do Governo, dada a firme oposição ao documento por parte dos nacionalistas flamengos da Nova Aliança Flamenga (N-VA), parceiros dos liberais do Movimento Reformador (MR) no poder, que levou a que a ratificação do pacto fosse aprovada pelo parlamento, mas não pelo executivo.
Em França e na Alemanha, várias facções políticas também contestaram veementemente o documento, e na Croácia o pacto é apoiado pelo Governo, mas rejeitado pela Presidente, Kolinda Grabar-Kitarovic.
A óbvia divisão entre os Estados-membros da UE sobre esta matéria já suscitou críticas da Comissão Europeia.
Na passada terça-feira, o comissário europeu para as Migrações, Dimitris Avramopoulos, lamentou que não tenha sido possível “uma posição comum” e instou “todos os países a repensarem e reconsiderarem a sua posição, no interesse da UE, de todos os Estados-membros e de todos os países envolvidos no fenómeno migratório”.
Também a chefe de diplomacia da UE, Federica Mogherini, insistiu que “os interesses de todos os Estados-membros da UE serão mais bem servidos se todos apoiarem o pacto global para a migração, que lançará as bases de uma cooperação e de um diálogo internacionais”.
“Lamentamos a decisão de alguns Estados-membros da UE de não se juntarem ou não apoiarem o pacto global”, declarou a Alta Representante da UE para a Política Externa.
Na quinta-feira, por ocasião de uma reunião de ministros do Interior da UE, em Bruxelas, onde o tema das migrações voltou a dominar a agenda de trabalhos, também o Governo português manifestou a sua “estranheza” por o país que preside neste segundo semestre do ano ao Conselho da União Europeia, a Áustria, ficar fora do pacto.
“Nós respeitamos aquilo que é a posição dos vários Estados, mas transmitimos a estranheza por o país da presidência, que tem aqui responsabilidades especiais, não ser signatário deste pacto, que foi também negociado pela União Europeia”, disse o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, à saída do Conselho de Assuntos Internos.
O Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular, o primeiro do género sobre este assunto, tem como base um conjunto de princípios, como por exemplo a defesa dos direitos humanos, dos direitos das crianças migrantes ou o reconhecimento da soberania nacional, e enumera 23 propostas concretas para ajudar os países a lidarem com as migrações, nomeadamente ao nível da informação e da integração.
Após vários meses de consultas e de negociações, o documento foi acordado em julho passado por todos os Estados-membros das Nações Unidas. A única excepção foram os Estados Unidos, que se afastaram do processo em finais de 2017, mas desde então outros países seguiram os passos da administração liderada por Donald Trump.
O documento será assim subscrito por dois terços dos 193 países-membros da ONU, na conferência que se realiza entre segunda e terça-feira em Marraquexe, e na qual Portugal estará representado pelo primeiro-ministro, António Costa.
Com o estatuto de observador na Assembleia-geral da ONU, a UE foi convidada a participar na cimeira intergovernamental em Marrocos.
O bloco comunitário irá participar nas discussões previstas no encontro, mas não fará parte da votação do documento.