Vergonha de ser Madeirense

Ao longo da minha vida, em mais do que uma ocasião sinto puro nojo e/ou vergonha de me ter que me chamar de Madeirense.

Mas mais recentemente, com o caso da mulher grávida que foi agredida na Zona Velha, essa sensação caiu em cima de mim como um balde de água fria. Porquê? Ao ler e ao ouvir os comentários de madeirenses quanto a este caso, mais especificamente quando ouviram a notícia de que a mulher recusou as alegações de ter sido agredida.

“Covarde”. “Maluca.” “É que deve gostar de ser espancada”. “Gosta mesmo de apanhar no “focinho””. “Não tenho pena nenhuma”. “Devia era de apanhar mais”. “Quanto mais bates gosto de ti, hihihihi!”. “Que estúpida mulher”. “Mais uma burra, apanha no “focinho” e ainda aplaude!”. “Foi pouco, para a próxima é para a cova! HAHAHAHA!”. “Quando vi a notícia pela primeira vez fiquei com pena, agora não tenho pena nenhuma”. “Mandem esses (censurado) de volta para o buraco deles, não queremos esses bichos aqui!”. “No país deles as mulheres são tratadas assim, mandem-lhes de volta para lá”. “Isto é uma tristeza para as mulheres que são mulheres de verdade”. “Não vale a pena defenderem-na porque ela gosta”. “Ela é muito mau exemplo para as mulheres”. “Espero que lhe tirem o bébé! Sem vergonha essa fulana!” “Ela tem que ser castigada”. “ “A culpa é dela”.

Isto são apenas alguns comentários de muitos.

Esta mulher não sofre só de atitudes e comentários de sexismo, machismo, misoginia, como também, ainda por cima, xenofobia.

São estas atitudes precisamente que levam as vítimas de violência a se esconderem, submeterem, baixarem a cabeça.

Convido ao povo Madeirense, ao nosso povo de mente fechada a 7 chaves, a experimentarem colocarem-se nos sapatos de uma vítima. Ameaçada. Manipulada. Com medo, por si, e pela sua criança. Não tem auto-confiança nem coragem nenhuma, porque tudo foi lhe retirado com cada pancada e cada ameaça. Porque foi ensinada assim a vida toda. Pressionada, gozada, oprimida, desvalorizada, humilhada pelos outros: amigos, família, as pessoas da rua. As autoridades, a legislação, os tribunais, pouco ou nada também fazem por estas vítimas - talvez elas próprias são também do tipo de pessoas que gozam das vítimas e/ou culpam-nas.

Convido a também abrirem as vossas mentes fechadas e lerem; lerem artigos, relatos, ler e ouvir, para perceberem os porquês destas vítimas, pois estamos no século 21, e o Google, como também as bibliotecas, e as associações de apoio a vítimas, todas estas existem.

É precisamente pela falta de apoio e consideração que estas vítimas cada vez mais se escondem e não se pronunciam até ao dia que acabam no caixão. Aí sim, de repente toda a gente já se lamenta, já têm pena, mas é tarde demais.

Quantos mais “tardes demais” precisaremos para nos aperceber-nos que talvez as nossas ações, os nossos comentários, as nossas mentes fechadas poderiam ser diferentes... E quem sabe, diretamente ou indiretamente, salvar vidas e castigar os que realmente devem ser castigados? E a evoluirmos como sociedade?