Desculpas de mau pagador
Para entender, do exterior, o conflito entre a Catalunha e a Espanha,
é necessário entender aspectos essenciais desta relação que vão além dos aspectos mais evidentes, como o monstruoso déficit fiscal de 9%;
sendo este um aspecto importante, não é de modo algum a principal
razão da desconexão emocional entre a maioria dos catalães e o Estado em que são obrigados a viver.
Sem a Catalunha e os catalães, nenhuma mudança para o Estado espanhol teria sido possível nos últimos dois séculos: não teria havido nem a primeira nem a segunda República, nem uma mudança do regime de Franco,
nem os socialistas teriam chegado ao poder, nem José María Aznar teria conseguido governar. Direita e esquerda na Espanha cortejaram o catalanismo para ganhar poder na Espanha, e tão facilmente quanto prometeram, não cumpriram as promessas. E quando não foram os líderes dos partidos, a própria estrutura do Estado, em grande parte herdeira da Espanha arcaica e atávica, tem actuado como censuradora das
aspirações nacionais catalãs.
Consideremos a decisão sobre o Estatuto de Autonomia da Catalunha em 2006. Esta norma tinha passado no crivo de dois parlamentos, o catalão e o espanhol, sendo posteriormente ratificada em referendo pelos cidadãos da Catalunha. Mesmo assim, a Corte Constitucional Espanhola anulou parte dos artigos em 2010. Hoje, a Catalunha é a única comunidade autónoma da Espanha que não é governada por um estatuto aprovado por seus cidadãos. Conclusão: os catalães não têm sequer um estatuto próprio, mas um estatuto imposto.
Na cultura política catalã, o pacto é sagrado. Frases como “um mau
acordo é melhor do que uma boa demanda” fazem parte da cultura do país, e a decisão de 2010 de cortar o Estatuto de Autonomia ignorou o acordo, os pactos anteriores. O sentimento coletivo que gera o atual movimento de soberania nasce dessa traição à palavra dada. Agora, o Governo do Partido Socialista no poder fala da elaboração de um novo
estatuto acordado, de um melhor tratamento fiscal, da recuperação do diálogo e do estabelecimento de relações fluidas com a sociedade e o Governo catalão. Dado o contexto, quem confiaria?
Manuel Pérez Nespereira