Civismo. Falta de

Cada vez que me faço aos passeios da nossa cidade e arredores, tenho medo de atropelar os carros estacionados sobre a calçada. Realmente é um perigo. A cada esquina podemos ferir com gravidade uma viatura. Ainda há dias, cruzei-me com uma carrinha que havia sido abalroada por um carrinho de bebé. O automóvel ficou ferido na vista. De certeza que precisará de um oftalmologista. O olho esquerdo, junto ao queixo do Peugeot, ficou deficiente. Um secretário de Estado afirmou: “Quando verificamos que há 14 atropelamentos por dia em Portugal, percebemos que temos que dar a atenção a esta matéria, aos comportamentos que os peões adoptam nas estradas e aos comportamentos dos condutores em relação aos peões”. Ou seja, segundo o responsável pela pasta, anda tudo trocado, incluindo o conceito de trânsito e circulação nas estradas - os peões andam na estrada? Não sei se andam. Só sei que cada vez que me ponho ao volante assisto à loucura regional em forma de aceleras em total desrespeito pelo código de estrada e das normas de comportamento de uma sociedade em movimento. O salve-se quem puder reside na estrada. Os madeirenses andam sempre a acelerar para o próximo semáforo fechado. Os condutores têm tanta pressa de chegar ao trabalho, mas não sei se têm mais vontade de se pôr a caminho, de largar o serviço se ainda tiverem a sorte de ter carro e emprego. Também não sei se trabalham rapidamente e mal nos empregos. Também não me interessa. Não é disso que aqui falo. Cada vez que não uso carro (na maior parte dos casos) tenho um medo que me arrepio de utilizar uma passadeira. Não interessa quem vem ao volante do carro em leasing, se uma jovem mãe com o recém-nascido no lugar do morto, ou um taxista a quem deveriam trucidar a carta de condução - o perigo é constante, o inimigo é público. Não interessa qual a faixa de rodagem em questão - o comportamento é idêntico. Na estrada, esquecem-se dos piscas na mudança de direcção, usam e abusam do telefone. É rotineiro. Uma das grandes fatias da falta de respeito pelo outro é no estacionar. É nos moradores, é nas docas de autocarro e carga-descarga, é nos reservados a outros veículos, é nos parques das motas, é em cima dos passeios. A culpa destas atrocidades e de toda a diarreia cerebral, nem é destes tristes infractores. É sim, da polícia, que muitas vezes faz o mesmo, imputando assim, a falta de respeito pelos outros, aos outros. Basta dar uma volta pela zona velha da cidade. É vê-los passar de popó ou de bike e a via da direita completamente entupida por infractores e ZERO autuações!

Os peões também são uns artistas. Querem lá saber se está vermelho ou não, toca a atravessar a rua mesmo que a passadeira esteja a meio metro. Querem lá saber! Tudo isto somado ou subtraído, pode não parecer grande coisa, mas reflecte o profundo desprezo pelo valor da própria vida e pela dos outros. Todos os dias vejo cenas com Sennas de terceira categoria a procurar a pole-position, a competir de igual para igual com um outro desgraçado e pergunto porquê? Querem demonstrar o quê? Que o meu pode ser mais barato que o teu, mas é mais rápido? Não sei a resposta para este flagelo. Talvez possamos perguntar a alguém no cemitério mais próximo.

António Freitas