A arte de decidir sem se esgotar
Todos os dias tomamos centenas de micro decisões: o que vestir ou comer, como responder a um e-mail, a um pedido, ou se ignoramos uma notificação no telemóvel. Estas decisões, por mais pequenas que sejam, acumulam-se. E, quando se sucedem ao longo do dia, desgastam a nossa capacidade de julgamento. A chamada fadiga de decisão.
Num estudo clássico, o psicólogo Jonathan Levav analisou mais de mil decisões judiciais relativas a pedidos de liberdade condicional. Descobriu algo impressionante: os juízes eram significativamente mais propensos a conceder liberdade condicional no início da manhã, ou logo após o almoço ou uma pausa, com uma taxa de aprovação a rondar os 65%. À medida que o tempo passava, e sem pausas pelo meio, as hipóteses de uma decisão favorável diminuíam drasticamente, caindo para perto de zero. O cérebro, fatigado, optava pela resposta mais automática e segura: «não».
Outro estudo, conduzido por Roy Baumeister, da Universidade Estatal da Florida, reforça esta ideia. Um grupo de pessoas foi exposto a deliciosas guloseimas, mas instruído a resisti-las e a comer apenas rabanetes, enquanto outro grupo pôde comer as guloseimas lhe apetecesse. Depois, ambos enfrentaram uma tarefa: resolver puzzles difíceis. O grupo que despendeu recursos cognitivos para resistir às guloseimas desistiu 50% mais depressa. A força de vontade já tinha sido gasta antes sequer de começar o exercício. A conclusão? A nossa capacidade de decisão e de autocontrolo é um recurso finito.
A ciência é clara: o poder de decisão assemelha-se a um músculo. Com o uso excessivo, fatiga-se. E quando isso acontece, tomamos decisões piores.
Sintomas comuns da fadiga de decisão incluem dificuldade em saber o que fazer a seguir, tendência para atalhos mentais («vai mesmo assim»), irritabilidade sem motivo aparente (mente cansada entra em modo de «proteção/sobrevivência»), adiamento de tarefas importantes, compras ou refeições impulsivas, esquecimentos ou, por vezes, pura e simples evitação de pensar.
As empresas sabem disto. Os supermercados colocam doces nas filas onde chegamos mentalmente esgotados das decisões de compra. A Netflix não apresenta os seus milhares de títulos de uma só vez, para evitar o fenómeno de «paralisia da escolha», quando somos expostos a demasiadas opções. As apps de comida enviam notificações ao final da tarde, conjugando o cansaço com a fome. São nestas vulnerabilidades que somos mais manipuláveis – porque o cérebro quer escolher depressa e com o mínimo esforço.
Barack Obama revelou que usava apenas fatos azuis ou cinzentos. Steve Jobs, Mark Zuckerberg e outros líderes conhecidos adotaram também guarda-roupas minimalistas e rotinas simples. Não se tratava de vaidade ou de desinteresse pela aparência, mas de estratégia cognitiva: eliminar decisões triviais para poupar energia mental para o que realmente importa.
E nós? Também podemos fazer o mesmo. Eis algumas estratégias:
- Decidir antes de precisar: planear ou preparar com antecedência a logística familiar, como refeições, a roupa do dia seguinte, listas de compras, prioridades para o dia/semana.
- Criar e automatizar rotinas para o essencial, como a hora de deitar ou o momento do treino. As rotinas eliminam o esforço de decisão, dão estrutura e tranquilizam o cérebro. A previsibilidade protege.
- Tomar decisões importantes quando estivermos mais frescos: de manhã, ou após descanso ou pausas. Evitar decisões críticas quando estamos cansados ou emocionalmente frágeis. E, quando possível, delegar.
- Estabelecer horários fixos para tarefas repetitivas;
- Dizer «não» com mais frequência ao desnecessário ou a decisões irrelevantes.
Menos escolhas não significa menos liberdade. Pelo contrário: libertamo-nos da tirania do supérfluo para pensar melhor quando realmente é preciso. Criar condições para decidir menos – e melhor – é uma forma importante de cuidar da saúde mental.
Não somos máquinas. Cada escolha, por pequena que pareça, consome energia. Saber isto ajuda-nos a preservar recursos mentais para aquilo que exige reflexão, ponderação e presença. Às vezes, cuidar da saúde mental começa por fazer menos escolhas por dia – mas escolhas com mais intenção.