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Crónicas

Como te posso servir?

Um bom mestre não dá o peixe e talvez nem ensine a pescar. Se calhar, humildemente, guia o seu discípulo até ele descobrir qual a melhor forma de se alimentar

“A casa educa, a escola instrui.” Só que não! Não acredito neste cliché. Tenho a convicção que casa (família) e escola caminham lado-a-lado. Ainda que haja princípios específicos e orientadores de cada uma, é no encontro das duas que a magia acontece.

Acredito e confio que é esta união que torna possível guiar um ser humano com valores morais, éticos e académicos de excelência.

O raciocínio é até muito simples. Ao afirmar-se que a casa educa e a escola instrui, há uma clara desresponsabilização e exclusão de ambas as partes. Ora, o que me parece que o mundo atual precisa, com urgência, é de inclusão. Muita mesmo.

Enquanto mãe, jornalista e autora, não me passa pela cabeça demitir-me do meu papel de mãe e da referência que devo ser na transmissão de competências e valores às minhas filhas. Consciente que todo o ecossistema familiar e social nos quais se movimentam influenciam os seus pensamentos, valores e comportamentos.

Dos exemplos que perduram, que me inspiraram a ser uma pessoa mais consciente, a praticar igual valor e dignidade, a respeitar, a agradecer e a valorizar, estão não só os meus pais e avós, como vários professores e auxiliares educativos. Todos eles, verdadeiros mestres!

Recordo tantas vezes que “é preciso uma aldeia para educar uma criança”. Os pais, independentemente de serem mais ou menos presentes, não estão nem devem estar sozinhos nesta missão. Família e escola (e sociedade em geral) partilham responsabilidades. Educar não pode nunca ser visto como um peso que se sacode, e antes sim, como um privilégio que se acolhe. É a arte de co-escrever a história pessoal de alguém que traz dons únicos e só precisa de ser orientado no sentido de os revelar e praticar, em segurança, no mundo.

Neste início de ano lectivo quero muito ter presente um dos pilares da Parentalidade generativa que é a autenticidade. Tenho a certeza que incorporá-la é mesmo muito útil a pais e professores.

E sabendo que não existem fórmulas certas ou erradas de educar (prefiro dizer: guiar) uma criança, também é certo que há caminhos que são mais ou menos conscientes de o fazer. É disso que falo (daria para dezenas de crónicas, vou tocar no essencial).

Antes de apontarmos o dedo às nossas crianças, é bom lembrar que o que elas detetam e reagem com muita facilidade não são as rotinas, não são as excepções às regras. Aquilo a que, muitas vezes, os nossos filhos e alunos reagem, com atitudes que nos parecem desafiantes ou até adjetivamos como maus comportamentos, é à falta de congruência, à nossa falta de autenticidade. Exemplos não faltam: são as rotinas que não conseguimos explicar, é quando insistimos num “não” sem o conseguirmos fundamentar, é sempre que somos pais ou professores em “piloto automático”, ao ditarmos regras arbitrárias, apelando à autoridade. Na prática traduz-se em comportamentos como o de estar permanentemente a apelar à empatia deles e depois não sermos empáticos com eles, exigir-lhes respeito e não os respeitar, querer que nos contem o seu dia e não contarmos nada do nosso.

Por isso, que este ano letivo honremos o nosso papel de mestres. Que este ano letivo marque a revisão e a prática autêntica e congruente dos nossos valores e intenções. Em cada pensamento, decisão, em cada comunicação.

E por falar com comunicação, encontrei há dias nas minhas notas, o apontamento que partilho em seguida. A data em que o guardei revela que já tem alguns anos, mas infelizmente, não tenho o nome do autor. Seja como for, revejo-me em cada parágrafo, vai totalmente ao encontro da proposta da parentalidade generativa e é mesmo para partilhar. A minha proposta é que façamos juntos esta reflexão: dar nota 20 aos nossos filhos e alunos, no primeiro dia de escola!

“Sobretudo, este inversor de pensamento que é atribuir um 20 à partida, a todos os alunos, é transformador e tem-me feito pensar muito.

Porque é mesmo disto que se trata : de acreditarmos que os nossos filhos têm, hoje em dia, um mundo de possibilidades à sua disposição, e precisam apenas de descobrir qual o seu sentido, o seu propósito, o que os realiza, perceber à medida que crescem para o que é que têm mais apetência, porque é aí que se poderão tornar “os melhores”.

Precisamos de acreditar que já nasceram com tudo que precisam para se darem bem na vida, desde que confiem em si próprios e nós, no seu potencial.

Precisamos de lhes dar um 20, a cada dia, como forma de lhes dizer que os sabemos capazes, autónomos, que confiamos neles a fazer o seu caminho.

Dar um 20 pode ser permitir-lhes ir sozinhos até à escola , pode ser não interferir nas horas ou tempos de estudo e estar junto deles, sem julgamentos, sejam quais forem os resultados.

Dar um 20 pode ser abrir as possibilidades todas em vez de ficarmos cegos, agarrados a um padrão, à referência, a uma meta pré-definida, perdendo muito do que cada um, na sua individualidade, alcança, de várias formas, pelo caminho.

Dar um 20 aos nossos filhos pode fazer-se através de um olhar, de um silêncio onde antes havia comandos e exigências, de lhes mostrarmos uma profunda certeza de que sabemos que vão sair-se bem, e de que os amamos, sem eles nos precisarem de provar que o merecem.”

Agora, no contexto particular da escola, a Lori Desautels - Ph D, Professora na Butler University uma das principais autoridades a aplicar a teoria polivagal em contexto de sala de aula - entre muitas coisas propõe que cada professor e cada profissional na escola, faça uma pergunta (ou outra versão da mesma) aos seus alunos, principalmente aos que têm dificuldades. Uma pergunta que resulta em respostas inesperadas, diálogos íntimos, corações abertos e uma escuta que desvenda, como diz a própria Lori, “mal-entendidos de indivíduos zangados, entediados e frustrados tentando lidar com as dificuldades nas escolas e na vida”:

”Como te posso servir?” é a pergunta.

Poderá surgir em forma de:

“O que precisas?”

“Como te posso ajudar?”

“O que seria melhor para ti?”

Quando perguntamos genuinamente o que o outro precisa, somos inundados de compreensão, informação nova, conexão, solo fértil para a criação de um relacionamento mais saudável e uma nova vontade de contribuição também por parte do outro em relação às nossas necessidades. A Professora Lori lembra que também é bem provável que recebamos a pergunta de volta.

Aproveito assim, para desejar a todos, famílias, escolas e comunidade, um bom regresso às aulas!

E termino, sugerindo que também todos, façamos a todos, a sábia pergunta oferecida pela Professora Lori:

”Como te posso servir?”