O futuro escreve-se com dúvidas e mais dúvidas

Sou feita de retalhos, de bocadinhos de cada vida que passou e passa pela minha vida e que completam a minha história.

O maior retalho é dádiva da minha mãe, a quem devo o maior tributo e gratidão no Dia de todas as Mães, pelo que me deu, pelo que foi , e pelo testemunho de mulher que não temeu barreiras na luta que empreendeu, na tarefa árdua que abraçou para “criar” meia dúzia de filhos, em condições não muito favoráveis.

O seu principal objectivo era poder proporcionar-nos mais e melhores possibilidades do que ela teve, mesmo que nos desse tudo e pouco ou nada sobrasse para si.

Só quando eu também fui mãe pude avaliar o incomensurável amor da minha querida mãe, tal como o que tenho pelos meus filhos.

As mães das gerações que me precederam não tiveram vida fácil. As suas famílias eram numerosas e maiores as suas dificuldades. Éramos (e somos) uma ilha de fracos recursos económicos e materiais, onde se praticava uma agricultura de subsistência bastante pobre, onde faltava tudo ou quase tudo. Os bens alimentares e de consumo eram trazidos pelos carreireiros, adquiridos na Madeira pelas mercearias que os vendiam a crédito, anotados no “rol”e pagos quando o chefe de família auferia o rendimento do seu trabalho. Porque palavra

dada era palavra honrada, qual Egas Moniz.

Os homens trabalhavam na construção civil, e na lavoura os que possuíam os seus terrenos e gado bovino. As mulheres ocupavam-se da lida doméstica, dos filhos e do bordado (que era muito mal pago). Sem electricidade, era o candeeiro a petróleo que iluminava as suas casas. A água para consumo doméstico era trazida das nascentes naturais em latas de alumínio à cabeça das mulheres e aos ombros dos homens com o auxílio do cajado. A roupa era lavada nos lavadouros municipais. As pessoas, adultos e crianças andavam descalços. As roupas usadas eram remendadas e passavam de irmãos para irmãos.

Reinava a pobreza mas, no meio da adversidade, as pessoas, sobretudo os vizinhos mais próximos, ajudavam-se mutuamente consoante as suas possibilidades. As chave das nossas casas estavam sempre na fechadura, dia e noite, e as nossas janelas não eram trancadas...Esta gente comeu “o pão que o diabo amassou “mas não perdeu a fé e legou aos seus descendentes os valores necessários para enfrentar com coragem as agruras da vida. Em dada altura do caminho esses valores foram se perdendo...Um livro não chegaria para descrever a odisseia que foi as suas vidas em tempos idos.

A minha geração, com a construção do aeroporto, viu melhorar significativamente as condições de vida. A pouco e pouco o progresso trouxe algum desenvolvimento em todos os aspectos e o Porto Santo de hoje não é o mesmo da primeira metade do sec.XX.

Porém, há sempre o reverso da medalha. O processo de mudança não englobou a mudança de mentalidades, valores de incalculável valor passaram para segundo plano e o supérfluo foi valorizado em detrimento do essencial. Algum dia será possível reverter a situação?

A gente ouve e cala, às vezes finge que não ouve, mas há ocasiões em que já se perdeu a vontade de fingir acreditar que tudo possa mudar.

Os nossos pais deixaram-nos um mundo melhor do que encontraram. E nós, que mundo deixaremos aos nossos filhos e netos?

O futuro escreve-se com dúvidas e mais dúvidas.

Madalena Castro