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O CAB, o Marítimo, a Autonomia e a Madeira

A vantagem de escrevermos com frequência é deixarmos na memória do tempo o que pensamos em cada momento. Quando em Janeiro escrevi que o mote deste ano era irmos à luta na política, no CAB e no Marítimo, não esperava que a meio do ano a minha conclusão fosse tão alarmante: é que pode não ser mesmo possível salvar todos ao mesmo tempo.

O desporto regional enfrenta um momento de extraordinária dificuldade, que é o resultado de escolhas, também políticas: não só consequência do modelo desportivo vigente, mas também de um sistema de apoios e educativo com impactos na formação e que exigem reflexão. A descida de divisão do C.S. Madeira no andebol feminino, 37 anos depois, confirma as dificuldades que a descida de divisão do CAB no basquetebol masculino, 28 anos depois, evidenciou. Já muito se escreveu sobre o assunto e muito ainda se dirá, mas da minha parte resta-me manifestar apreço por quem não vira a cara à luta: o Professor Carlos Mendonça, entre outros, no Madeira; o Pedro Freitas e os que o acompanharam durante os últimos anos, no CAB, e o Francisco Fernandes e todos os que o acompanharão daqui em diante. Juntos, superaremos este momento difícil.

No basquetebol, o cenário só não é pior para a modalidade porque o Galomar foi capaz de subir de divisão. Sobre esse projecto, não resisto a partilhar um elogio ao José Luís Correia, atleta da equipa sénior e treinador da formação. Num tempo em que, infelizmente, na Madeira os emigrantes são muitas vezes utilizados como trunfos eleitorais, vale a pena partilhar a história do Zé, que é filho de pais emigrantes, nasceu na Venezuela, chegou à Madeira com 13 ou 14 anos e, com muita garra e empenho, mas também com extrema educação e bondade, alcançou os seus objectivos. Contra as expectativas de quase todos, fez-se jogador de basquete da formação primeiro e da equipa sénior do CAB depois. Mas não fez só isso: fez-se treinador e inspiração para os mais jovens, avançou nos seus estudos e tornou-se num jovem empresário em diferentes sectores. Tudo isto sem nunca esquecer os amigos, a família que está perto e a que está longe, como os pais que continuam emigrantes. O Zé é um bom exemplo do que é a integração da nossa comunidade emigrante na sua própria terra: quase nunca isenta de dificuldades, quase sempre sucesso do seu trabalho - e isso não é bandeira política de ninguém, é resultado do exemplo de vida que são.

No futebol, o Marítimo terá o seu jogo decisivo este domingo. Apesar de toda a tormenta que esta época tem sido, que todos esperamos que termine com uma grande vitória e em ambiente de festa, este também foi um tempo de revelações: do espírito da massa associativa do Marítimo e da capacidade de resistência do povo da Madeira, um fenómeno que ultrapassou em muito as bancadas dos Barreiros e varreu todo o país. Mas para que esse espírito exista, há gente que se dedica a criá-lo. Entre muitos, vale a pena partilhar uma nota pública de elogio e agradecimento ao Dinarte Andrade e ao Pedro Camacho, que os maritimistas de cá e de lá conhecem bem. Um elogio justo, mas que pouco lhes interessará, porque o que querem mesmo é uma vitória e a manutenção que dêem significado a todo o sacrifício e dedicação - deles e de tantos outros bons maritimistas. Quando outros quiseram dividir para reinar, estes souberam unir para vencer.

O que se passa no desporto madeirense é, porém, reflexo de um fenómeno maior. É que a Madeira arrisca-se mesmo a passar para a segunda divisão da vida nacional, se não souber reafirmar-se como Região Autónoma que é desde 1976. Assisto, incrédulo, à falta de criatividade do PSD Madeira, que, a propósito da uma revisão constitucional que pouco ou nada diz aos madeirenses, porque fora de tempo e vazia de conteúdo que nos diga respeito, procura apenas mais um momento para bater com a mão no peito contra o suposto centralismo de todos os outros. Surpreende-me a falta de jeito, porque não há madeirense nenhum que, ao fim de 8 anos de governação de Albuquerque, não tenha percebido o óbvio: é que este PSD que agora nos governa não faz a mínima ideia sobre que Autonomia quer. Finge que exige, acena com números mediáticos e milhões de supostas dívidas, mas nada consegue, nada alcança, nada concretiza, porque é incapaz de reivindicar no modo certo e negociar oportunamente. Tudo se resume a gritaria e esbracejo. A elite política madeirense vive acantonada entre dois mundos: a vergonha do histórico separatista do Jardinismo e a ambição centralista da integração no todo nacional. Incapazes de construir um caminho de sucesso no meio-termo, entre uma e outra realidade perdeu-se a identidade da Autonomia, de que hoje sobram apenas instrumentos formais, sem quaisquer consequências práticas na resolução dos problemas dos madeirenses.

A caminho do próximo dia da Região, tudo isto seriam motivos de reflexão quanto baste. Porém, como se o cenário já não fosse mau que chegue, o que as sondagens nos indicam é que, apesar disso, os madeirenses não acreditam na alternativa, arriscando-se a deixar tudo na mesma, ou pior ainda. Voltarei ao assunto entretanto, mas para já fica a nota: na política, como no desporto, tudo é o resultado de escolhas – e os partidos, como os clubes, às vezes também descem de divisão.