O restauro do Convento de Santa Clara
Alves Costa confessa preferir a radical modernidade dos arquitectos que actuaram neste organismo, à conservadora abordagem de Raul Lino
A antiga Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), organismo criado pelo Estado Novo para a conservação do património arquitectónico do país, tinha, resumidamente, a seguinte metodologia de restauro: identificação do estilo e da época em que o monumento fora concebido; eliminação das intervenções que posteriormente o tinham “desvirtuado”. O objectivo era trazer o edifício “à sua pureza original”, isto é, à sua “autenticidade”. Tratava-se, na opinião do Professor Alexandre Alves Costa, de uma metodologia eminentemente moderna, que carece hoje de atenta releitura, tendo em consideração a aprofundada investigação histórica com que a DGEMN fundamentava a sua acção nos boletins que ia publicando.
Alves Costa confessa preferir a radical modernidade dos arquitectos que actuaram neste organismo, à conservadora abordagem de Raul Lino, que sempre se declarou favorável à manutenção dos testemunhos que, ao longo tempo, foram moldando a arquitectura dos nossos monumentos – excluindo, naturalmente, o testemunho moderno que Lino execrava. Não há como passar ao lado das polémicas declarações do conceituado professor de arquitectura da Escola do Porto. Duvido, todavia, que lhe fosse difícil sustentar este ponto de vista depois de conhecer o recente restauro que, no Funchal, a Direcção Regional de Cultura (DRC) levou a cabo no Convento de Santa Clara.
Neste nobre monumento de origem quatrocentista teve lugar, em meados do século XX, e em nome de um hipotético regresso do Convento à sua primitiva traça gótica, um dos mais desastrosos restauros levados a cabo pela DGEMN. António Aragão, que assistiu ao desastre, não se poupou a críticas: “em lugar dos consertos que as passagens dos anos naturalmente reclamavam, arrasaram-se elementos da época da Fundação do Mosteiro, destruíram-se capelas inteiras, danificou-se azulejaria e pintura dos séculos XVII e XVIII, assim como estatuária, talha dourada barroca, etc. etc.” A destruição foi de tal forma que a “reconstituição da quase totalidade da planta do Mosteiro não foi tarefa fácil”.
Olhando para a belíssima planta reconstituída pelo historiador madeirense, surpreende-nos a profusão de capelas disseminadas no centro do claustro – e não haja exemplo semelhante na nossa arquitectura religiosa! É difícil hoje imaginar, no claustro vazio, a tensão espacial gerada pelos volumes isolados das capelas vibrando sob a intensa luz subtropical. Que desastre! Resta aqui louvar o extraordinário trabalho de restauro que a DRC levou a cabo a partir do “entulho de restos armazenados sem dó nem piedade” que Aragão viu acumular no século passado. O convento de Santa Clara renasceu para nos contar a sua atribulada história, para nos falar dessa beleza impura e frágil que está para lá de épocas ou de estilos e é preciso preservar a todo o custo.