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Lula da Silva contra opositores, lobbies e interesses privados no seu novo Governo

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Foto André Borges / EPA

Ao tomar posse como Presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva enfrentará no seu novo Governo uma oposição ideológica, 'lobbies' e dificuldade para firmar acordos com lideranças políticas obstinadas em manter os seus feudos de poder.

Seguidores de Jair Bolsonaro, que tentou a reeleição presidencial sem sucesso, insistem em negar o resultado das urnas empunhando bandeiras e exaltado ideologias associadas à extrema-direita que se popularizaram no país.

Após a contagem dos votos, os 'bolsonaristas'  derrotados pelos 'lulistas' por uma margem apertada de 0,90% (60.345.999 dos votos válidos foram para Lula da Silva e 58.206.354 para Bolsonaro) dividiram-se numa maioria silenciosa que aguarda as oportunidades que certamente virão para criticar o novo Governo e uma minoria caricata que participa de uma resistência organizada fechando estradas e acampando na frente de quartéis do Exército com pedidos ilegais e até mesmo cómicos que variam da instauração de uma ditadura militar, discursos messiânicos e clamores de salvação enviados aos extraterrestres.

Autodeclarados conservadores, patriotas, religiosos e defensores da família - sejam eles 'bolsonaristas' de verde amarelo nas ruas assumidos ou não -- quase metade dos brasileiros está do outro lado de um muro ideológico que precisará ser demolido tijolo a tijolo por Lula da Silva e seus aliados para que alcance algum sucesso na governação do país, especialmente na baixa classe média que ascendeu com os primeiros mandatos do líder progressista e que hoje o rejeita por diferentes motivos.

A ideologia também motiva uma parcela grande de lideranças e integrantes do agronegócio brasileiro, que mantém um dos 'lobbies' mais poderosos do país, a rejeitar Lula da Silva, um expoente da esquerda associado a grupos que defendem causas sociais como a reforma agrária e temas de conservação ambiental, embora nos seus dois primeiros mandatos (2003 a 2010) a produção brasileira tenha sido fortemente financiada por bancos públicos e cresceu de 120,03 milhões de toneladas para 144,68 milhões de toneladas, segundo dados de 2003 até 2010 da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária  (Embrapa), compilados pela plataforma Agrofy.

O deputado Pedro Lupion, escolhido para presidir a bancada ruralista do Congresso a partir de fevereiro de 2023, disse numa conferência de imprensa em meados de dezembro que o agronegócio brasileiro teria uma "preocupação enorme" quanto aos próximos passos do Governo Lula da Silva, citando questões ideológicas e um risco associado aos juros para o financiamento das colheitas.

Outro 'lobby' que representará um desafio ideológico ao líder do Partido dos Trabalhadores está ligado às armas, que promete resistir à intenção do novo Governo de revogar decretos que facilitam o acesso ao armamento no país.

O chamado mercado financeiro e o segmento empresarial também demonstram ceticismo e até mesmo rejeição aos planos até agora apresentados por Lula da Silva e sua equipa económica, que defendem uma maior distribuição de renda e participação do Estado na economia, contrariando a teoria dominante entre os líderes deste setores que fazem uma defesa e uma interpretação local do liberalismo.

Na sociedade civil e no Congresso há também líderes evangélicos neopentecostais que se opuseram a Lula da Silva na eleição presidencial e que prometem manter um tom crítico em defesa das suas plataformas ideológicas.

No Congresso Lula da Silva, que lidera uma federação minoritária de esquerda embora tenha conseguido negociar apoio de três partidos de centro para formar uma base parlamentar, a polarização também tende a dar o tom dos debates e trazer problemas ao Governo já que muitas lideranças da extrema-direita associadas a Bolsonaro terão forte representação nas duas casas do Congresso onde também contam, dependendo do tema, com apoio de parlamentares de partidos de direita e de centro que se declaram moderados.

No plano pessoal, Lula da Silva enfrentará oposição de líderes do chamado centrão cujo expoente maior tende a ser o deputado Arthur Lira, que provavelmente será reconduzido a presidência da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2023.

Embora seja considerado um político pragmático, Lira, que apoiou Bolsonaro e controlou parte importante do orçamento federal, tende oferecer resistência a algumas prioridades do Governo.

Com o Presidente Bolsonaro derrotado, o deputado expoente do centrão e seus aliados conta com o apoio de vários parlamentares que pretendem manter na gestão de Lula da Silva, facto que certamente resultará em empecilhos e dificuldade de negociação de muitos planos do líder progressista para áreas como reforma laboral e meio ambiente.

Lula da Silva assume governo com mais mulheres, diversidade social e alianças pragmáticas

O terceiro mandato do Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, terá mais mulheres, representantes das diversidades presentes na sociedade e alianças pragmáticas com partidos que já lhe fizeram oposição e aos Governo do Partido dos Trabalhadores (PT).

Entre os 37 ministérios que formarão o Executivo do Governo brasileiro estão 11 mulheres, recorde face aos outros governos depois da redemocratização do país ocorrida em 1985, quatro delas negras: Anielle Franco na pasta da Igualdade Racial, Luciana Santos na Ciência, Tecnologia e Inovação, Marina Silva no Meio Ambiente e Margareth Menezes na Cultura.

Também foi nomeada a indígena Sônia Guajajara que liderará a criação do Ministério dos Povos Indígenas.

A nova ministra do Planeamento, Simone Tebet, que foi adversária de Lula da Silva na primeira volta das eleições presidenciais defendendo uma agenda liberal na economia que se choca com as ideias do PT, mas que o apoiou na segunda etapa do sufrágio e acabou escolhida para um ministério importante, sinaliza uma tentativa do futuro governante de construir uma frente mais plural.

A diversidade da sociedade brasileira também está simbolizada na escolha do jurista negro e ícone da luta antirracista Sílvio Almeida para o comando do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e de outras personalidades da sociedade civil brasileira como a ex-jogadora de vólei Ana Moser para o Ministério do Desporto e a investigadora Nísia Trindade para o comando do Ministério da Saúde.

 No que se refere ao arco de alianças, o Governo Lula da Silva terá 10 ministros do Partido dos Trabalhadores (PT), e outros sete de siglas de esquerda que estiveram consigo desde a primeira volta da eleição: três indicações do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), um do Partido Democrático Trabalhista (PDT), uma do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e uma da sigla ambientalista Rede Sustentabilidade.

No entanto, a próxima governação do líder progressista brasileiro também tem uma face pragmática na medida em que negociou e conseguiu o apoio de três grandes partidos de centro e direita, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o União Brasil e o Partido Social Democrático (PSD), que aderiram à base do Governo e indicaram três ministros cada para atuar no Executivo.

Neste apoio pragmático há indicação de nomes como o de Juscelino Filho do União Brasil que comandará o Ministério das Comunicações e André de Paula do PSD, que comandará a pasta da pesca.

Ambos votaram pela destituição da ex-presidente Dilma Rousseff, do PT, quando ocupavam cargo legislativo na Câmara dos Deputados, em 2016.Eleito Presidente na segunda volta de um sufrágio cujo resultado pareceu incerto até o fim da contagem de votos em razão da grande popularidade do ex-presidente Jair Bolsonaro que tentou a reeleição, Lula da Silva tornou-se o primeiro chefe de Estado a ter três mandatos na história recente do Brasil.

Aos 77 anos, nasceu numa zona pobre de Pernambuco, na região nordeste, de onde emigrou, aos sete anos fugindo da fome com seis irmãos e a mãe, para o estado de São Paulo.

Lula da Silva conseguiu o seu primeiro emprego aos 12 anos de idade. Aos 19 anos, empregado numa metalúrgica, teve o dedo mínimo da mão esquerda decepado num acidente de trabalho.

A sua entrada no movimento sindical, que o catapultou para o mundo da política, aconteceu em 1969, quando Lula da Silva concorreu ao primeiro cargo no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo.

Foi eleito presidente da mesma entidade em 1975, onde se tornou conhecido dos brasileiros ao liderar as primeiras greves de trabalhadores contra o regime militar (1964-1985), tendo chegado a ser preso.

Em fevereiro de 1980, participou com outros sindicalistas, intelectuais, políticos e representantes de movimentos sociais, da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) antes de fazer, dois anos depois, sua estreia eleitoral ao candidatar-se para o comando do governo do estado de São Paulo, disputa que terminou em quarto lugar.

Em 1986, Lula da Silva foi eleito para a Assembleia Constituinte como deputado federal mais votado do país, com 650,1 mil votos.

Na primeira eleição direta para Presidente, realizada em 1989, lançou-se candidato ao cargo máximo do Executivo numa disputa dura na qual foi derrotado pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello na segunda volta.

Em 1994 e 1998 disputou novamente a Presidência brasileira, mas acabou derrotado duas vezes pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

A derrota em três eleições presidenciais seguidas levou o maior líder da esquerda brasileira a mudar a estratégia para sua quarta disputa, abandonando teses radicais e ampliando apoios políticos para outros segmentos.

Com um slogan "paz e amor", Lula da Silva passou a campanha evitando grandes polémicas e sinalizando para o mercado que respeitaria os contratos e acordos, venceu as presidenciais pela primeira vez em 2022 e levou o Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder no Brasil.

Depois de dois mandatos que concluiu com sucesso, Lula da Silva deixou a governação do país sul-americano com 87% de aprovação e por algum tempo pareceu que nada poderia apagar o brilho da maior estrela PT.

A partir de 2014, porém, um novo calvário se apresentou na trajetória política. Acusado de corrupção pela Operação Lava Jato, uma força-tarefa que investigou desvios na Petrobras e noutros órgãos públicos do país, foi parar na prisão em 2018 condenado por alegadamente ter recebido como suborno um apartamento de luxo na cidade brasileira do Guarujá.

Declarando-se sempre inocente, o líder 'petista' cumpriu 580 dias de prisão e foi condenado em outro processo até ser solto em 2020 após uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que vetou cumprimento de pena para pessoas condenadas em segunda instância e pode recorrer das penas impostas contra si em liberdade.

Em 2021 uma reviravolta mudou o caminho de Lula da Silva quando o STF anulou os processos que o levaram a prisão em razão de vários erros e irregularidades processuais, restabelecendo a sua liberdade plena e seus direitos políticos.

Livre para lutar pelo protagonismo na política brasileira, Lula da Silva candidatou-se à Presidência do Brasil liderando uma frente ampla que fosse além do PT e dos partidos de esquerda, convidou o ex-governador e antigo adversário político Geraldo Alckmin para vice na sua candidatura.

Numa campanha dura em que enfrentou o uso de dinheiro público por parte de Bolsonaro e seus aliados, notícias falsas, ataques e críticas, sagrou-se vencedor defendendo basicamente seu legado passado e sinalizando a sua massa de leitores, na maioria pobres, que trabalhará para acabar com a fome e pacificar o país convulsionado pela divisão política e para recuperar a imagem do Brasil no mundo.

A promessa de governar para os pobres foi repetida em todos os discursos proferidos por Lula da Silva depois do sufrágio e agora, com a posse, mais de 200 milhões de brasileiros saberão se ele cumprirá ou não sua palavra ao retornar ao posto mais alto da República brasileira.