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A (re)construção da universidade

A reconstrução da universidade passa, particularmente, pelo relembrar dos seus propósitos

Pensar a universidade é olhar para a conceção de academia como um lugar de reflexão, conhecimento e crítica. “Academos” era um herói da mitologia grega, sepultado num bosque onde nasceu a Academia de Platão. Acreditava-se que todos podiam expressar as suas ideias e, acima de tudo, a Academia era um lugar de produção de conhecimento e não tanto de transmissão de conhecimento. Mais do que ensinar, uma academia tem que produzir. Mas produzir o quê?

«Linhas de montagem. As universidades não serviam só para estudar, acrescenta Ricardo Morgado: «Eram espaços de conhecimento, de espírito crítico, de debate político e cultural.» E hoje são o quê? «Por vezes, parecem linhas de montagem de uma fábrica. O fim é acabar o curso e conseguir um lugar no mercado de trabalho». Tudo o resto passa a ser secundário e com isso as universidades tornaram-se o reflexo do que é a sociedade: «São poucos os que confiam no poder da política para mudar o estado das coisas.» (Kátia Catulo, Jornal i, 24/03/2012)

Nesta lógica de produção em série de diplomas universitários sucederam “as três crises com que se defrontava a universidade”. Boaventura Sousa Santos identifica três crises: a crise da hegemonia, a crise da legitimidade e a crise institucional. Façamos então uma análise aos três conceitos.

A primeira grande crise da universidade é a crise de hegemonia. A universidade deixou de ser a demonstração da genialidade cultural e intelectual. No caso da Europa e da sua universidade humanista quase tudo foi reduzido a um sistema económico que tudo vende, aluga e trespassa. A diferença entre especialista e técnico é muito ténue e foi esse esbatimento, com a cumplicidade do Estado, sobre os fins da universidade que a levaram à segunda crise: a crise da legitimidade.

Tanto a hierarquia dos saberes, colocados numa lógica de utilidade a serem vendidos no mercado, como os numerus clausus, as exigências sociais (Boaventura Sousa Santos), de democraticidade e de igualdade de oportunidades fizeram da universidade um lugar onde a democratização é mais prometida do que realizada e assim a sua legitimidade é posta em causa por não ser capaz de cumprir o que prometeu: ser uma instituição de cultura autêntica.

Daqui decorre a crise institucional, cada vez mais visível, que se refere ao desinvestimento e à mercadorização da universidade. E a par com estes dois fenómenos a universidade, cinicamente, apregoa a autonomia que já nem é financeira.

Na minha perspetiva a agonia em que vivem as universidades deve-se, essencialmente, à primeira crise de onde todas as outras decorrem. A reconstrução da universidade passa, particularmente, pelo relembrar dos seus propósitos que não se resumem a tubos de ensaios e soluções financeiras concebidas por engenharias avulsas que fazem nascer e crescer desagregados os alicerces da formação universitária.

Bom ano académico.