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Autonomia - o sonho inacabado de construir Portugal no Atlântico

A comemoração do Dia da Região Autónoma da Madeira e das nossas comunidades madeirenses é motivo, mais do que suficiente, para se proceder a uma reflexão aprofundada e cuidada sobre a realidade do regime autonómico e sobre a experiência histórica destas ilhas.

É a oportunidade de falar de um sonho que começou há muito e que partiu do nada, de um caminho que tem sido longo e difícil.

Construir a Autonomia, não foi, nem é um uma tarefa simples, ainda para mais quando o ponto de partida foi o que se sabe, tendo sido necessário reclamar de Lisboa não apenas uma solução política de auto - governação, mas também os recursos financeiros indispensáveis à construção desta nova realidade.

Razões de ordem geográfica, económica, social e cultural estiveram na base das movimentações sociais e políticas que conduziram à apresentação na Câmara dos Deputados, em 31 de março de 1892, de um Projeto Lei, que consagra pela primeira vez um Regime Autonómico, desta feita para os Açores, apresentado pelo Deputado Aristides Moreira da Mota e que não chegou a ser discutido na referida Câmara dada a dissolução do parlamento.

Na Madeira, o governador da altura e a sua família viram-se forçados a abandonar o palácio de São Lourenço e a imprensa era bastante ativa na defesa dos interesses insulares.

Seguiu-se a promulgação a 2 de março de 1895, durante o governo presidido por Hintze Ribeiro, de um Decreto que consagra pela primeira vez um regime autonómico para os Açores, tendo o mesmo sido alargado à Madeira em 1901.

O agravamento da carga fiscal e o aumento dos conflitos, potenciaram na Região, um enorme descontentamento perante a autoridade emergente do Estado Novo, de que são exemplos, a revolta da Farinha, a revolta da Madeira em 1931 e a revolta do Leite em 1936.

Em março de 1938, foi aprovado na Assembleia Nacional, um novo regime administrativo para o arquipélago da Madeira, passando a constituir um Distrito Autónomo, com a administração a cargo de um governador civil, com honras de ministro de Estado.

Este é, em traços bastante largos o percurso que a autonomia administrativa realizou até à queda do regime com a Revolução do 25 de Abril.

É fácil apercebermo-nos que ela foi sempre uma espécie de dádiva menor, com que o poder central respondia às justas reivindicações do povo destas ilhas e com a qual os autonomistas de então, como os de agora nunca se compaginaram.

Entretanto o advento de uma nova realidade jurídico-constitucional de autonomia político-administrativa, tem permitido nos últimos quarenta e seis anos, o desenvolvimento da nossa Região, a um ritmo nunca antes verificado.

É preciso que esta responsabilidade histórica seja sedimentada, em toda a sua plenitude, e que seja fortalecida pelas lições do passado, assumindo o papel que lhe cabe no desenvolvimento e fortalecimento da autonomia.

É também tempo de falar do futuro, do longo caminho que ainda temos a percorrer para alargar e aprofundar a Autonomia, para continuar a melhorar a nossa qualidade de vida e para fazer face aos novos desafios. Desafios de índole demográfica, habitacional, económica e de emergência social resultantes de um difícil contexto pandémico e de uma guerra que teima em continuar.

Estamos convictos que o diálogo quase sempre gerador de consensos há - de encontrar os caminhos mais justos para que se continue a garantir o nosso direito à diferença e a ser português nestas ilhas do Atlântico.

É importante avançar com a revisão da Lei das Finanças Regionais e com a revisão da Constituição.

Precisamos de um novo relacionamento financeiro entre as Regiões Autónomas e a República e de continuar a aprofundar as competências legislativas, criando um sistema fiscal próprio.

Precisamos de extinguir o cargo de Representante da República, de criar um círculo eleitoral próprio no parlamento europeu para cada uma das Regiões Autónomas e de possibilitar a participação nas eleições regionais dos madeirenses residentes fora da Região, entre outros aspetos.

Na ocasião em que se comemora o Dia da nossa Região, presto sentida e respeitosas homenagens a todos quanto se têm empenhado a construir este sonho inacabado e a consolidar este património comum – a Autonomia – uma forma peculiar de construir Portugal no Atlântico.