Diplomata russo abandona reunião na ONU por palavras "rudes" de Charles Michel
O embaixador russo nas Nações Unidas (ONU) abandonou hoje uma reunião do Conselho de Segurança por considerar demasiado "rudes" os comentários feitos pelo presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, que acusou Moscovo de provocar a atual crise alimentar.
Numa declaração perante o Conselho de Segurança da ONU, que se reuniu hoje para abordar a violência sexual e o tráfico de seres humanos no contexto da guerra na Ucrânia, Michel dirigiu-se diretamente ao embaixador russo, Vasily Nebenzya, acusando o Kremlin de travar as exportações de comida para os países em desenvolvimento.
Michel disse que viu milhões de toneladas de grãos e trigo presos em contentores e em navios no porto ucraniano de Odessa há algumas semanas.
Isso deveu-se "aos navios de guerra russos no Mar Negro" e aos ataques de Moscovo à infraestrutura de transporte e instalações de armazenamento de grãos, assim como aos seus tanques, bombas e minas que estão a impedir a Ucrânia de plantar e colher esses alimentos, disse o político belga.
"Tudo isto está a elevar os preços dos alimentos, empurrando as pessoas para a pobreza e desestabilizando regiões inteiras", declarou o presidente do Conselho Europeu.
"A Rússia é a única responsável por esta situação, apesar da sua campanha de mentiras e desinformação. Só a Rússia", frisou.
Michel também acusou as forças russas de roubar grãos de áreas ocupadas "enquanto transferem a culpa para outros", classificando essas atitudes de "covardes" e de "propaganda, pura e simples".
Durante o pronunciamento do líder europeu, Nebenzya acabou por abandonar o 'briefing', dando o lugar a outro diplomata russo.
O vice-embaixador da Rússia na ONU, Dmitry Polyansky, recorreu mais tarde à plataforma Telegram para explicar que os comentários de Michel foram "tão rudes" que Nebenzya deixou a câmara do Conselho de Segurança.
A reunião do Conselho de Segurança deveria concentrar-se na violência sexual durante a guerra na Ucrânia, mas a invasão da Rússia e as suas devastadoras consequências, especialmente na escassez global de alimentos e aumento dos preços, também acabaram por ser abordadas.
Michel expressou um forte apoio aos esforços do secretário-geral da ONU, António Guterres, para obter um acordo que permitiria a exportação de grãos da Ucrânia e garantiria que alimentos e fertilizantes russos tenham acesso irrestrito aos mercados globais.
Juntas, a Ucrânia e a Rússia produzem quase um terço do trigo e da cevada do mundo e metade do óleo de girassol, enquanto a Rússia e a sua aliada Bielorrússia são dos maiores produtores mundiais de potássio, um ingrediente-chave de fertilizantes.
Guterres alertou no mês passado que os níveis globais de fome "estão num novo recorde", com o número de pessoas que enfrentam insegurança alimentar grave a duplicar em apenas dois anos, de 135 milhões antes da pandemia de covid-19 para 276 milhões atualmente.
O português detalhou ainda que mais de 500.000 pessoas vivem em condições de fome -- um aumento de mais de 500% desde 2016.
O embaixador da Ucrânia na ONU, Sergiy Kyslytsya, disse hoje ao Conselho de Segurança que o país continua comprometido em encontrar soluções para evitar a crise alimentar global e está pronto para criar "as condições necessárias" para retomar as exportações do porto de Odesa, no sul.
"A questão é como garantir que a Rússia não abusa da rota comercial para atacar a própria cidade", disse o diplomata ucraniano.
Kyslytsya explicou que a questão tornou-se mais relevante desde que quatro mísseis russos atingiram uma fábrica na capital Kiev no domingo, onde vagões de carga que transportam grãos para portos ucranianos estavam a ser reparados.
"Significa que todos os contos de fadas de Vladimir Putin (Presidente russo) sobre a sua prontidão para facilitar a exportação de trigo ucraniano, que ele tão eloquentemente, permanecem muito distantes da realidade", avaliou o embaixador ucraniano.
Kyslytsya considerou ainda "importante" que a delegação da Rússia continue a pronunciar-se nas reuniões da ONU sobre a Ucrânia, uma vez que "tudo o que os diplomatas dizem é gravado e será usado contra eles em tribunal, como cúmplices destes crimes".