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Regulamento da Nacionalidade pode gerar "dilúvio de queixas"

Foto DR/Facebook/José Ruah
Foto DR/Facebook/José Ruah

A entrada em vigor das normas do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa relativas à naturalização de descendentes de judeus sefarditas em 1 de Setembro pode levar a um "dilúvio de queixas" nos tribunais administrativos, antecipa a Comunidade Israelita de Lisboa.

Em entrevista à agência Lusa, José Ruah, dirigente da Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) sustentou esse cenário com base nas duas normas que considera inconstitucionais no decreto-lei 26/2022 para conseguir a cidadania portuguesa por via da descendência de judeus sefarditas: a exigência de documentos comprovativos de transmissão de propriedade por herança e de viagens regulares a Portugal ao longo da vida.

"Não estranharia que, se a 01 de setembro houver recusas de pedidos com base nas duas normas que nós cremos inconstitucionais, não venha a existir um dilúvio de queixas nos tribunais administrativos, porque esse é o direito das pessoas", afirmou o responsável da CIL, admitindo ainda que a questão seja colocada ao Tribunal Constitucional (TC): "Se o TC for instado a isso e não se vier pronunciar, existem sempre os tribunais administrativos".

José Ruah esclareceu que a CIL "não tem legitimidade" para agir por essa via, uma vez que a eventual recusa da naturalização pende sobre os requerentes e não sobre a instituição que certifica as origens sefarditas. O membro da direção da CIL realçou que continuaram a chegar pedidos de certificação e que estes aumentaram após a suspensão da receção de pedidos na Comunidade Israelita do Porto (CIP), na sequência das suspeitas de ilegalidades.

"O número que é sempre relevante é o que chega à Conservatória e o que a Conservatória despachou com base em certificados emitidos pela CIL", ressalvou o dirigente, assegurando: "Sei que foram inundados com pedidos".

O responsável da CIL reiterou ainda a distância e o desconhecimento em relação aos procedimentos adotados pela CIP ao longo dos anos e que motivaram desde o início deste ano uma investigação, levando, inclusivamente, à detenção e constituição como arguido do rabino da comunidade portuense: Daniel Litvak.

"A CIL não conhece os processos nem os procedimentos, não faz a menor ideia de como é que esses processos eram instruídos ou deixavam de ser e não faz a menor ideia de que documentação é que traziam", disse José Ruah, garantindo que a CIL desconhece o processo de naturalização do milionário russo Roman Abramovich: "Quiseram-nos mostrar e nós recusámos. Nós não conhecemos esse processo".

O dirigente assumiu que a polémica em torno deste caso possa inicialmente ter generalizado uma ideia de alegadas práticas abusivas das comunidades religiosas nos processos de naturalização de descendentes de judeus sefarditas. Porém, mostrou-se convicto de que a CIL já provou cumprir "escrupulosamente" a lei, lembrando até as dúvidas levantadas em relação à obtenção da cidadania do empresário Patrick Drahi, presidente da Altice.

"Esse processo continua exatamente no escritório da comunidade, à espera de que alguém requeira a sua consulta. (...) A CIL fez um comunicado em que confirmou que tinha feito esse processo em 2015 e que estaria à ordem das autoridades. Não temos nada a esconder", notou, assegurando que nenhuma autoridade pediu até ao momento a sua consulta e criticando a suspeita lançada sobre este processo: "Patrick Drahi não precisava de passaporte português, já era cidadão francês. Foi lançada maldosamente e não há qualquer comparação".

O decreto-lei 26/2022, publicado em março em Diário da República e que regulamentou a Lei da Nacionalidade de 2020, entrou em vigor no dia 15 de abril, mas o artigo referente à obtenção de cidadania por descendentes de judeus sefarditas só vai entrar em vigor "no primeiro dia do sexto mês seguinte ao da sua publicação", ou seja, 01 de setembro de 2022.