Crónicas

Trabalhos de Frei Bento

Há uns anos, perguntei a um bispo o que é que ele achava ser melhor: haver “jornais católicos”, ou cristãos nos jornais? Ele respondeu: as duas coisas. Uma resposta típica, pensei: juntar, não separar. Na altura, parecia ser ainda possível isso de jornais “católicos”. Jornais a sério, entenda-se, com jornalistas, leitores e tiragens, e não boletins diocesanos. Mas o tempo, que é feito de mudança, veio mostrar que esse era um caminho com pouco futuro. E não apenas por razões “económicas”, mas sobretudo de credibilidade: as mudanças e exigências de uma sociedade que evoluía de forma vertiginosa — suscitando verdadeiros terramotos (e traumas) no substrato cultural e moral que de antanho suportava as sociedades —, cada vez mais sufocavam a “confessionalidade” dos media ditos católicos; os compromissos “mundanos” para assegurar a sobrevivência tornavam-se fonte de constrangimentos; e o que se pretendia como veículo de evangelização, acabava por degenerar em contratestemunho — no fundo, por uma incapacidade, eu diria quase congénita, de muitos responsáveis serem capazes de ler os “sinais dos tempos” e tomarem decisões inovadoras face ao futuro que a mudança — cultural, social e política — anunciava. Recorde-se o caso emblemático da TVI, que começou como canal católico, mas pouco tempo depois “renegou” e, hoje, veio a dar “aquilo” ...

Vem isto a propósito da entrevista dada por Frei Bento Domingues ao jornal Público e da efeméride que assinalou, a 3 de maio, as suas três décadas de crónicas dominicais. 30 anos de crónicas, é obra — sobretudo para quem assume “não gostar nada de escrever”. Mas, com o título da primeira, disse já ao que vinha: “Evangelizar a Nova Evangelização”.

Devo dizer que não sou particularmente “fã” das crónicas de Frei Bento (por uma série de razões que não vêm ao caso), mas no conjunto da sua “obra” reconheço uma virtude cada vez mais preciosa e urgente: a capacidade de fazer ecoar, nos seus textos, as alegrias, tristezas, esperanças e perplexidades do mundo em que vivemos, a atualidade aí sempre mediada por reflexões pertinentes, onde perpassa vasta (in)formação teológica e onde pulsa o mais candente da hora que passa (no mundo e na Igreja). É óbvio que o esforço de comunicar em brevidade e tornar acessíveis questões “complexas”, pode redundar em simplificação — e daí alguma controvérsia. Mas penso que esse trabalho de assim comunicar como forma de evangelização, iluminando o mundo da vida e a vida do mundo numa página de jornal, e procurando dar conta do essencial da fé cristã em interrogações que nos interpelam e desafiam a escutar o presente, desalojando as falsas seguranças de uma autorreferencialidade eclesial apaziguadora — essa é, porque anunciadora e crítica, uma tarefa “pastoral” absolutamente prioritária na sociedade pós-cristã, cada vez mais secularizada, relativista e fechada sobre os seus próprios mitos. Daí que, nessa missão comunicativa de falar em cada domingo da novidade “subversiva” da fé cristã que é a Ressurreição de Jesus, Frei Bento assuma que viver na insurreição é “a condição da nossa vida”: “temos de nos insurgir contra tudo o que está mal, a isso chamo insurreição”, e “a maior que podíamos ter era acabar com a morte”; pela vitória sobre a morte, pensamos e lutamos por um mundo outro: “Isto é mundo que se apresente? Não é. Acho que a nossa situação é, por causa da paz, a insurreição”.

Todos os domingos, com júbilo: do Deus da alegria (e não o “castigador”) à alegria de acreditar!