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Sistema circulatório

Eis, pois, uma exposição com uma forte componente didáctica

Está a decorrer na Escola Básica e Secundária Gonçalves Zarco uma exposição a não perder. “Sistema circulatório”, assim se chama este projecto que, de facto, deveria circular não só por todas as escolas secundárias da Região, mas também pelos museus etnográficos de todo Portugal. Nas palavras dos seus curadores, o artista plástico Martinho Mendes e o arquitecto David Oliveira, ela “procura reflectir acerca do papel da água na modelação da paisagem cultural da Madeira”. A surpreendente eficácia com que o faz – tendo em conta o minguado orçamento com que devem ter contado os seus autores – só não me surpreende porque conheço o trabalho de ambos e o fervor que a ele dedicam.

De Martinho Mendes, artista plástico com uma obra profundamente enraizada nos temas da Ilha, nunca esquecerei o gesto civilizado com que participou no folclórico projecto Arte de Portas Abertas nem, mais recentemente, no Ilhéstico, com a vibrante instalação na torre da Câmara Municipal do Funchal. Quem, melhor do que ele, para nos explicar o que é um «tornadouro» e nos desvendar a beleza que irradia esse humilde artefacto utilizado para desviar a água de regadio: uma pedra e um emaranhado de trapos? Numa das paredes da galeria deparamo-nos com um ensaio visual com imagens de tornadouros captadas pelo autor. A seu lado, fontes documentais de proveniência diversa dão-nos uma ideia do que tem sido o estudo crítico da paisagem cultural madeirense. Tudo exemplarmente arrumado e exposto.

A David Oliveira, autor de uma original tese de mestrado sobre a arquitectura da paisagem vitícola na Madeira, coube uma recolha de representações iconográficas e cartográficas que surgem impressas em suporte transparente sobre mesas de luz, permitindo ao visitante sobrepor imagens que confrontam o passado e o presente das paisagens agrícolas da Ilha. Pela primeira vez na história é apresentada ao público a representação cartográfica da evolução das Levadas da Madeira ao longo dos quase seis séculos de ocupação humana. E aqui cabe também um elogio à arquitecta Dalila Freitas, que consolidou em preciosos desenhos a representação das levadas como um sistema multifuncional de canais que em tudo se assemelham a um sistema circulatório.

Eis, pois, uma exposição com uma forte componente didáctica. Sóbria, feita com poucos meios, ela parece apenas querer explicar aos jovens a importância e o significado de um sistema que nos mantém a todos vivos. A verdade, porém, é que, silenciosamente, nos fala também da obscura e acidental beleza das paisagens que herdamos e dos sacrificados braços que as construíram e, ao fazê-lo, transcende tudo isso, transformando-se em Arte com A grande.