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Sem lutar por causas, não há votos!

Na filosofia clássica, o “Logos” surge como o princípio que dá vida à matéria e determina o destino humano. Na última década esse pensamento norteou a ação política do CDS Madeira. E tornou-se uma respeitável instituição regional, os anos mais bem-sucedidos da sua história.

Era um partido da oposição que as pessoas gostavam. Sentia-se isso na rua. Era melhor considerado do que o Partido Socialista. As pessoas interpelavam e conversavam com os rostos do partido. Recomendavam assuntos e partilhavam as suas preocupações. Tinha força, coragem, independência e, por isso mesmo, tinha capacidade de influenciar.

O CDS tinha, reconhecidamente, “o melhor grupo parlamentar” da Assembleia Regional. Liderava com distinção a oposição e os votos aconteciam.

Tinha, sobretudo, autonomia, um desígnio e, acima de tudo, tinha causas que eram compreendidas e acarinhadas pela população. Eram as suas bandeiras!

Seja nas acessibilidades e transportes. No estímulo económico e competitividade. Na saúde e nos acessos a apoios sociais. No ambiente e energia. Na relação com Lisboa.

Vezes sem conta defendemos relação despolitizada com a economia, na verdadeira linha ideológica do CDS. As empresas que são verdadeiramente privadas, ou seja, que não dependem do Governo Regional e Nacional, mas que contribuem muito para acrescentar riqueza e criar postos de trabalho. Elas deveriam ser um Plus, mas em vez disso, acabam preteridas por outras.

A necessidade estratégica da ligação marítima por ferry, com o líder a recordar que a Madeira “é a única região da Europa que não tem uma ligação marítima ao seu continente”.

Houve coragem. Exemplo disso é que agora teremos um novo hospital porque o CDS, no tempo devido e praticamente sozinho, teve argúcia para o condicionar, isto numa altura em que o PS andava distraído e o PSD não o queria, tendo até suspendido o projeto.

O exemplo foi o caso da proposta do “cheque-cirurgia”, existente no resto do país e sem o qual nunca haverá cirurgia a tempo e horas. Ou a proposta do Sistema de Transparência na Saúde e das Unidades de Saúde Familiar (USF), 700 das quais funcionam no continente.

O CDS foi o único partido a impor um debate sobre o ambiente e energia pois a nossa parcela de fontes, ditas, “sujas” (gás e petróleo) é ainda muito alta. Queríamos mudar de rumo e fazer outras escolhas.

A luta por manter defendida a Laurissilva e o foco na atividade agrícola como instrumento de ordenamento paisagístico.

A defesa intransigente de uma relação cordial com a República, qualquer que fosse a cor política, que nos permitisse dividendos à semelhança do timbre açoriano. Tudo notas da tão falada “marca CDS”!

O CDS nacional “amarou” onde nunca se havia imaginado, ao ser afastado pelos eleitores do Parlamento. Não soube escolher as causas que interessavam aos portugueses. Sem causas não há votos!

Na Madeira os resultados são claros. À medida que o CDS se afastou dessas causas foi perdendo votos. Dos 17% para 13, depois para 8 e depois para 5%. A única exceção é, por incrível que pareça, Santana, pois aí a Marca continua vincada, com uma identidade distinta do PSD e do PS.

O meu receio não é que o CDS seja penalizado por incompetência. Seria injusto. Os membros do governo do CDS estão a fazer um trabalho mais consistente e sério que os seus antecessores. O verdadeiro receio é que acabem por ser só bons gestores de uma estratégia, e de opções, que nada dizem nada ao partido, à sua linha ideológica nem sequer para agradar à maioria dos seus eleitores.

Mais uma vez os exemplos estão aí. Nem Ferry, nem respeito à economia verdadeiramente privada, nem redução do IVA, nem proteção da Laurissilva, nem tanta energia limpa como precisamos, nem “cheque cirurgia”, nem transparência na saúde ou USF. Nem mais tolerância democrática e, pior, o relacionamento com a República nunca foi tão mau como agora. As culpas são repartidas. O resultado é que agora o diálogo com Lisboa é à “bofetada” e quem sai prejudicado são os madeirenses.

É difícil isto sem ofensa, mas a responsabilidade da imagem do CDS reside no seu grupo parlamentar. Na essência não parecer perceber a diferença entre “ter graça” e acabar por ser tido como “engraçado”. É incompreensível ouvir deputados do CDS afirmar que se deve perguntar aos madeirenses “se vale a pena serem portugueses?”, esquecendo todas as páginas doutrinárias do partido sobre o conceito de Nação.

Os partidos são instituições, têm história, têm património. Mais, tem que lutar cada dia para ter futuro. Não se pode esquecer o passado, viver o presente sem recato e não preparar o futuro. É fundamental que o CDS seja capaz de enfrentar o julgamento do povo, sem precisar constantemente do guarda-chuva de outro partido. É no mínimo naïve pois a luta partidária é predatória por natureza, aliás como se viu nas últimas eleições nacionais.

Se o CDS perder trunfos e capacidade de ir a votos sozinho, só lhe restará pedinchar uma coligação ao PSD. Mas quem pedincha não exige, e quem não exige não é capaz de vincar a sua marca.

Finalmente um último receio. O fascínio dos líderes pelo conceito do Micropartido. Um partido tão amorfo, obediente e monolítico que acaba por afastar militantes e votantes, ao ponto de o tornar vazio e sem representação. Haverá discernimento para rasgar o Micropartido e escrever Logos?

Numa altura em que a Europa paga atitudes xenófobas, nacionalismo e a arrogância de certos povos, ameaçando a estabilidade europeia, temos que rejeitar os partidos que a defendem. A crise pandémica também levantou dúvida sobre os partidos do ultraliberalismo que colocam todos os direitos no indivíduo, acima do interesse coletivo. Penso haver lugar para uma direita moderada, tolerante, profundamente europeísta e distinta dos interesses do “centrão”. Assim seja.